quinta-feira, 9 de julho de 2015


ESTES USAM BLACK-TIE









GÊNERO: Dramaturgia



















AUTOR: LARRY  REDON


















    










































Prefácio

     Existem textos que parecem fugir de nossas mãos, como se não tivéssemos direitos sobre eles, mesmo sendo nós os seus autores. Os textos que coloco em vossas mãos, fugiram de mim durante muito tempo e quando menos esperava, surgiram diante de mim, exigindo serem publicados.
     As duas peças que vos apresento, fugiram de mim durante 6 anos e quando acreditava que não as veria mais, apareceram dentro de meu e-mail, por obra do destino, num momento em que suas temáticas ressurgem na mídia, fazendo-me perceber que elas estavam apenas esperando o momento certo de se apresentarem  ao amigo leitor.
     A primeira peça, “Estes Usam Black-Tie”, conta a história de um presidente da República que se envolve numa rede de corrupção e tenta levar o filho para o mesmo caminho, silenciando-se diante das denúncias de corrupção que envolve o país, pois sabe que poderão chegar até ele. 
     A segunda peça, “Ao Deus-Dará”, conta a história de jovens que se envolvem no mundo das drogas e do crime, por viverem  num país que os empurra para marginalidade e que não lhes dão outra forma de vida. É o retrato fiel de um Brasil que está cada vez mais se afundando por não apostar na força dos jovens, negando-lhes uma educação de qualidade.
     Ao ler ambos os textos, acredito que o leitor poderá contextualizar as duas peças, reconhecendo muitas personagens e histórias que circulam em nosso cotidiano, pois uma dialoga com a outra, compondo um painel de um Brasil que morre aos poucos por não dar dignidade a sua nação e de uma nação que perece por aceitar ser conduzida por crápulas que vê na política a única forma de ascensão social, enquanto o povo se afoga na lama da miséria!


Larry Redon







































   




     
Esta peça é uma obra de ficção. As personagens construídas por este autor, embora residam num país chamado Brasil, não significa que possam ser figuras do nosso tempo, por isso é conveniente informar aos  intérpretes que fujam de uma interpretação que possa levar a tal interpretação. As personagens desenvolvidas neste texto podem ser figuras do passado, do presente e certamente do futuro, pois em cada século tivemos estas figuras que fizeram do Brasil o que ele é hoje. O que ele é? Não sei. Apenas acredito que ele deixou faz muito tempo de ser um país lindo e trigueiro; e que as reticências me salve neste momento tão triste deste país...


Enredo da peça

     Enquanto Guarnieri, em Eles Não Usam Black-Tie, mostra sua personagem furando a greve, aqui mostrarei o nosso personagem furando um sistema de corrupção. Se Guarnieri dispõe no palco os operários, este autor dispõe os seus algozes.

     O jovem Hamlet sempre viveu no mundo de sua imaginação. Sem saber o que acontecia  no seu país, coisa comum a todos os brasileiros nos dias atuais. Convidado a participar de um sistema de corrupção pelo próprio pai, Presidente da República, o jovem Hamlet depara-se com a realidade de seu país e começa a questioná-lo. Nasce então  um Hamlet confuso e questionador, daí a referência do personagem de Shakespeare.

     Ao se recusar a participar do projeto imundo do pai e depois de encontrar com o espectro do Brasil, Hamlet é expulso de casa e acaba se deparando com o Teatro, que vive nas ruas como indigente.

Tal fato fará com que ele conheça melhor o seu país e enfrente seu pai por um Brasil melhor. No palco figuras comuns da sociedade ajudam a compor a cara do Brasil que será despido e cantado  neste palco de todos nós que é o teatro.


Espaço

No palco a história se passará na casa do Presidente, numa rua qualquer do Brasil e num presídio.


Personagens

Teatro: Um velho já cansado pelos anos e pelas coisas vividas. Tem aqui a função de criticar o Brasil e a decadência de uma sociedade.

Brasil: Aparece sobre a forma de fantasma para Hamlet. É um conselheiro negativo que também está cansado pelo descaso.

Hamlet: Jovem sonhador e confuso que vai bater de frente com  seu pai por um país melhor.

Presidente da República: Político corrupto que tenta passar para o filho o legado de sua vida obscura.

Primeira-dama: Mulher que leva uma vida fútil. Preenche seu tempo em gastar dinheiro com os taxistas, de quem obtém os prazeres do sexo.

Assessor: Braço direito do Presidente da República – o famoso puxa-saco. Serve tanto para cuidar dos negócios como para fazer massagens no presidente.

Jornalista: Tipo comum da nossa sociedade jornalística: aquele que sonhou em mudar o Brasil e se deparou com os obstáculos do poder.

Maria Ninguém: Mulher simples que entrega a própria filha para o presidente, mesmo sabendo que ele a explorará para os seus prazeres.

Jeitozinha: Menina de 16 anos que será abandonada pela mãe e estuprada pelo Presidente.

Taxista: Representa um dos amantes da primeira-dama. Homem vulgar, que recebe dinheiro pelos  serviços prestados a primeira dama.

Dois bailarinos: Estes dançarão seminus, com o corpo pintado de verde e amarelo, ao som das músicas de cazuza, Chico Buarque e Ivan Lins.

Dois policiais: Servem para prender o presidente da República e seu assessor.

Músicas que comporão o espetáculo

Daquilo Que Eu Sei – Ivan Lins.

O Que Será ? – Chico Buarque.

Brasil -  Cazuza.





Primeiro Ato

Informação: O autor desta peça, Larry Redon, tem a sensatez de informar que esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança entre pessoas ou fatos reais terá sido mera coincidência.

Teatro: (imponente), Abri caminhos, meu povo! O teatro pede passagem para vestir os nus de nossa realidade. Vós que aqui estais, se por um acaso identificar-vos com as personagens que circularão neste palco, não vos zangueis  com o Teatro – é costume dele abrir os olhos, dar luz aos mortos de pensamento. Oh! Que culpa tem vós meus brasileirinhos que há séculos foram condicionados a se calar diante desta lama que sempre cobriu o nosso país?  Que culpa tem vós destes anos de decadência cultural que a ditadura nos legou! Que culpa tem vós de não pintarem mais os rostos e marcharem nas ruas pelos os direitos que te competem! Que culpa tem vós por não saberes de vossos deveres! Acendei a luz deste espetáculo por completo, para dar  luz ao povo e para exibir uma figura com quem todos estão acostumados, mas que esquecem o mal que faz e fez a sociedade! Todos que saíram de vossas casas e deixaram vossas famílias para virem aprender com o teatro, apesar desta guerra interna que estamos vivendo, merecem refletir sobre esta figura: Senhoras e Senhores, com vocês Um presidente da República.


(Acendem-se todas as luzes, enquanto o Teatro sai de cena e aparece o presidente com sua faixa verde e amarela)

Presidente: Senhores e Senhoras! É com orgulho que venho a público para agradecê-los pela confiança depositada em minha pessoa. Com a confirmação de minha reeleição, vejo que o povo brasileiro conseguiu compreender as razões do meu silêncio. É o silêncio que fala mais que as palavras, é o silêncio de uma credibilidade que o povo me dispensa; é o silêncio de um homem que sempre lutou pelos mais pobres e que embora tenha sofrido acusações por parte de seus opositores lutou e lutará para que o Brasil continue crescendo como nunca cresceu nos anos que era dominado pelos meus antecessores. Se o Brasil era antes dominado, hoje este país é governado  por um presidente que sempre esteve ao lado dos pobres e é por estar ao lado dos humildes, que lançarei assim que tomar posse a renda máxima, para que todos tenham pão na sua mesa e assim matarmos a fome deste país. Lute comigo, meu povo, para que juntos possamos erradicar a fome e a miséria do nosso país!

(Sai o presidente de cena. Aparece no palco dois bailarinos seminus, com o corpo pintado de verde-amarelo e dança ao som da música de Ivan Lins, Daquilo Que Eu Sei)

Segundo Ato

(Escritório do Presidente. O Assessor discute com o presidente os planos de governo)

Presidente: (chegando junto com o Assessor): Enfim sós, senhor assessor! O povo é sábio! O povo sabe separar o joio do trigo!

Assessor: (colocando servilmente a cadeira para o presidente), Confesso ao senhor que duvidei de sua reeleição; achei que o seu silêncio diante deste mar de lama poderia comprometê-lo!

Presidente: Esta não é a primeira vez que isso acontece! E não será a primeira vez que isso acabará em pizza! E depois não tenho nada a temer: eu sou um homem correto e o senhor é testemunha disso, meu assessor.

Assessor: Mas...senhor presidente...

Presidente: Nem mais nem menos, senhor assessor! Neste mar de lama meu barquinho não navega. Portanto, não me comprometa! Eu como bom brasileiro que sou lutarei junto a CPI, para que os verdadeiros culpados sejam punidos.

Assessor: Ah, já sei! Como eu sou tolo! O Senhor tem medo que tenha câmera escondida! Afinal virou moda o Big Brother! Vou investigar! (procura os microfones de quatro), Não há nada senhor presidente!

Presidente: Sai desta posição ridícula, senhor assessor! Olha, foi nesta posição que muitos presidentes perderam as eleições! Venha fazer uma massagem nos meus pés que esta condição de presidente me cansa: é viagem pra cá, viagem pra lá! Ai, eu ainda me mato por este país e os meus adversários não reconhecem!

Assessor: (puxando o saco), Oh! Pobre do meu presidente! Eu sou testemunha do seu sacrifício! (começa a fazer massagem no pé).

Presidente: É uma pena que palavra de assessor não absolve ninguém na CPI! Nem parente, estes além de nos sugarem, não servem pra nada; nem para fazer massagem nos pés! Ah, os parentes!

Assessor: (Puxando o saco), É verdade! É por isso que o senhor tem  o seu assessorzinho sempre por perto! Massagear os seus pés me dá  um prazer inenarrável! É quase orgásmico!

Presidente: Então se é assim, senhor assessor, massageia um pouquinho mais acima!

Assessor: (obdecendo), Seria o seu tornozelo?! (pega no tornozelo).

Presidente: Não, um pouquinho mais acima!

Assessor: Seria suas pernas?

Presidente: Não, um pouquinho mais acima!

Assessor: (trêmulo e ofegante), Seria suas coxas?

Presidente: (irritado), Não sejas burro, assessor! Quero que massageie aqui. (coloca a mão do assessor em sua genitália).

Assessor: (pula assustado e com a voz quase afeminada), O Senhor sabia que eu posso processá-lo por assédio sexual?

Presidente: Como? Quer se rebelar? Esqueceu que sou o presidente da República?

Assessor: Não! De forma alguma! (suaviza a voz), Mas o senhor há de convir que existem  certas coisas que um assessor, embora possa e seria maravilhoso, quase uma honra, massagear um presidente em tal região – ele não deve fazer por uma questão de respeito e admiração a um ser tão nobre quanto Vossa Excelência!

Presidente: Pois eu te dispenso de tal respeito! Agora venha! Faça o que te peço!

Assessor: (Nervoso), Mas Senhor...

Presidente: Ah, então recusa! Pois muito bem: se o senhor não serve para dar uma simples massagem em seu presidente, então irá para rua fazer coisa pior. Você está demitido!

Assessor: Não faça isso senhor! Eu sou um pai de família! O que será de minha vida agora?

Presidente: Pensasse nisso antes!Quanto ao que será da tua vida, já imagino: ficarás mendigando pelas ruas ou pior vendendo seu corpo pelas ruas...ou melhor ...te transformarei em galã de novela das oito.

Assessor: (chorando), Não. Tudo menos isso, Senhor! Não quero ficar como estes rapazes fazendo cara de samambaia, enquanto os grandes atores morrem de fome neste país.

Presidente: Ora, não sejas preconceituoso, assessor! É preciso abraçar o novo!

Assessor: Mas e o talento...

Presidente: E o talento! O mundo mudou assessor e nós temos que acompanhar o mundo! E depois estes galãs ganham rios de dinheiro! Você poderia ficar rico! É pena que a fama seja tão passageira! É...a fama e o prestígio são coisas distintas: uma deságua onde a beleza acaba, outra nos asilos...É! Está decidido: serás galã de novela das oito.

Assessor: (ajoelha aos pés do presidente), Oh, não! Tenha pena de mim. Eu faço tudo que vossa excelência pedir!

Presidente: Que bom! Que bom! Então aproveitando a posição que você está agora, vou mudar o meu pedido...(abaixa o zipper).

Assessor: Isso não, presidente...(suplicante)

Presidente: Isso sim, assessor...(sorri maliciosamente)

Assessor: Isso não, presidente...

Presidente: Isso sim, assessor...

Assessor: Isso não, presidente...(quase chorando)

Presidente: (irritado), Isso sim, assessor! (grita)

(Entra a primeira-dama)

Primeira-Dama: O que se sucede aqui? Posso saber, presidente?

Presidente: Ah, minha Primeira-Dama, sempre chega na hora errada. Quer saber? O meu assessor ia fazer o que a senhora não faz há tempos. Se a senhora fosse elegante, andaria nas pontas dos pés e terias o privilégio de ver seu marido transformar-se num viado.

Primeira-Dama: Que horror!

Assessor: Isso é realmente um horror! E eu nunca desconfiei, primeira-Dama.

Primeira-Dama: Cala-te imbecil! O horror não é ele ser gay – isto todo homem é: se não é na infância é na velhice! O horror é ele usar este nome tão baixo para se referi ao povo que o elegeu. Se o senhor está no poder hoje dê graças aos homossexuais deste país! Vamos, diga senhor presidente, quantas paradas Gays nós já não fomos atrás de voto?

Presidente: É verdade, foram muitas! Sabe que às vezes eu fico com pena destes rapazes, eles acham que estão lutando para acabar com o preconceito, mal sabem eles que servem apenas para trazer lucro para a cidade; é mais uma festa no Brasil e quem a inventou a fez para ganhar voto e aumentar o turismo. Esta corrupção eu não levo na alma...

Primeira-Dama: Mas o seu partido leva! Ah, eu sempre me esqueço, que o meu marido nunca está  a par do que faz o seu partido...

Assessor: (de joelho para Primeira-Dama), Parem de brigar, resolva minha situação primeira-dama. Não deixa ele me transformar em ator de novela das oito. (fica com a boca em direção a genitália da primeira-dama).

Primeira-Dama: Ai, assessor! Aproveitando que você está nesta posição tão favorável faz também em mim o que o presidente pediu para que fizesse nele. Ai, como sou louca, não controlo os meus impulsos! Melhor não!

Assessor: Melhor sim, primeira-dama!

Primeira-Dama: Melhor não, assessor!

Assessor: Ah, melhor sim, primeira-dama!

Primeira-Dama: Ai, melhor não, assessor! (quase cedendo)

Assessor: Melhor sim, Primeira-Dama!

Primeira-Dama: (Grita), Melhor não, Assessor! (empurra-o)

(Entra o Teatro e começa narrar enquanto a primeira-dama desfila)

Teatro: E com vocês na passarela, A Primeira-Dama: 1,65 de altura, 35 de quadril, não sei quanto de bunda. Seu esporte preferido gastar energia com os taxistas; Suas roupas? De algum estilista estrangeiro - é de praxe desprezar o nacional! Têm uma qualidade indispensável às primeiras-damas, estar sempre atrás do marido (nunca ao lado), e distribuir o dinheiro roubado. Seu destino? Ir para o nordeste plantar mandioca – é justo, pois plantará o produto do qual sempre se alimentou.

Primeira-Dama: (olhando para a platéia), Ele está sendo injusto, pois desde que meu marido criou a renda máxima, os nordestinos fugiram da roça e não plantam mais mandiocas. Meu Deus, será que meu marido fez isso de propósito? (olha para o presidente), Você me deve explicações presidente: por que você quer acabar com as mandiocas deste país?

Teatro: (olhando para platéia), hum...! Sábio presidente! Sábia Primeira-dama!

Presidente: Ora, deixemos disso, primeira-dama! A intenção era boa! Onde está o nosso amado filho, Hamlet?

Hamlet: Aqui estou amado pai. (Abraça o pai).

Presidente: Olha como parece com o papai!

Assessor: Tem gente que é cega!

Primeira-Dama: (indo para abraçá-lo), Filho de minhas entranhas!

Hamlet: Afaste-se de mim, mulher! (afasta-se)

Primeira-Dama: Hamlet! Então recusa tua própria mãe?  Eu que o carreguei durante nove meses no meu ventre!

Hamlet: Grande feito! Entra no meu rabo que te carrego por um ano.

Primeira-Dama: (espantada), Hamlet!

Teatro: Esta juventude! Estão todos assim: os pais não passam de marionetes em suas mãos.

Hamlet: (olhando para plateia), Está sendo injusto! Foi ela que me criou assim!

Teatro: Sábio Hamlet! Hoje em dia elas criam os filhos para destruir os vizinhos e não percebem que estão destruindo a si mesmas.

Primeira-Dama: Ai, que agora eu morro! (cai)

Presidente: Socorram-na! Chamem a ambulância!

Assessor: Ambulância não, senhor presidente! Não é prudente! Deixe a maré abaixar que a imprensa está de olho!

Teatro: Sábio assessor! Que seria dos políticos se não fossem eles!

Presidente: Sábio assessor! Que seria de mim se não fosse você! Considere-se readmitido!

Assessor: Eu sabia! O senhor com sua alma generosa sempre...(beija a mão do presidente), como posso agradecê-lo!

Presidente: Você sabe assessor, você sabe!

Primeira-Dama: Escuta, continuo desmaiada! Ninguém vai me socorrer?

Hamlet: Deixe de frescura, mamãe! Vou-me embora! Cansei desta cena patética!

Presidente: Hamlet, não fale assim com a mamãe!

Primeira-Dama: Há de se arrepender! Eu uma pobre mãe e esposa humilhada, meu Deus! Irei para minha alcova!(sai)

Hamlet: Alcova? Que antiga! Assessor, meu pai,com licença!

Presidente: Para onde vai, filho de minhas entranhas?

Hamlet: Vou continuar em meu mundo dos sonhos! Vou construir meus castelos e acalmar minhas guerras interiores.

Presidente: Sim! Vai pequeno Hamlet, mas volte logo porque o papai precisa falar sério contigo.

Hamlet: Mas o que meu pai tem de tão sério a falar-me?

Presidente: Sabe, pequeno Hamlet, o seu pai está ficando velho e tu na qualidade de meu sucessor...

Hamlet: (espantado), Eu sou teu sucessor? Mas isto é uma República ou uma Monarquia?

Presidente: (confuso), É uma República e às vezes não é, entendeu? (diante da negativa do filho), Explica a ele assessor!

Assessor: Deixa comigo! Meu amado Hamlet, é que no Brasil nem sempre o que parece é. É bom tu aprenderes rápido esta lição, senão vais ter que Hizbollah, Hizbollah, Hizbollah...(ri).

Hamlet: Cale-se, pulha! Como ousas fazer piadas desta guerra maldita! Enquanto velhos e crianças enterram seus mortos, vejo em minha frente um infeliz que se acha no direito de fazer tagarelice com as desgraças alheia porque acredita que as desgraças são realmente alheias. (avança).

Assessor: Perdão, Senhor! Por favor, aplacai vossa ira!

Hamlet: A desgraça é de todos nós. Eles estão comendo o pó dos escombros hoje e nós o comeremos amanhã. Deus meu, até quando os senhores da guerra vão esmagar nossas crianças e os nossos velhos? Senhor, tu que disseste que mil cairia ao nosso lado e dez mil a nossa direita, diga-me quando calcaremos aos pés esta serpente? Até quando os homens darão vazão aos seus instintos malignos? (agarra o pescoço do assessor).

Assessor: Socorro!

Presidente: Acalme-se, filhinho! Não machuque o assessor!

Hamlet: É preciso matar a serpente, meu senhor!

Assessor: Pois mate vosso pai primeiro, que é a serpente maior! Ou melhor, mate o papa, mate os banqueiros porque um assessor é só um assessor!

Presidente: Assessor!(reprova-o).

Assessor: O Vosso filho, meu presidente, condena a ira dos homens e  entretanto está com as mãos no meu pescoço: não estaria fazendo ele comigo o que todos os homens fazem com os outros?

Teatro: Sábio assessor! É fácil filosofar sobre a paz quando não reconhecemos nossa guerra particular!

Hamlet: (apático, caindo em si), Tens razão assessor! Perdoe-me! Devo me retirar! (ameaça sair).

Presidente: Para onde vai o meu pequeno Hamlet?

Hamlet: Vou refletir! Vou apaziguar minha guerra interior! (sai)

Presidente: Pobre Hamlet! Pobre menino! Ainda não conhece a maldade humana.

Assessor: Pobre de mim que quase fui estrangulado por este maníaco!

(Batem na porta)

Presidente: Quem será? Por que batem a minha porta? Ainda não providenciou a campainha, senhor assessor?

Assessor: Ainda não foi possível, graças ao seu tio, senhor presidente!

Presidente: Mas o que tem a ver o meu tio com a campainha de minha casa?

Assessor: Ora, senhor presidente, esqueceu que o dinheiro da lavagem que fizemos está na conta do vosso tio de Itapecerica da Serra?

Presidente: E por que você não pediu que ele o trouxesse, seu incompetente?

Assessor: Já tomei as providências cabíveis, mas vosso tio tem medo de sair com a mala na rua: é muita grana presidente! Olha, com esta grana poderíamos matar a fome de todo o Brasil.

Presidente: Titio e suas manias! Trazer dinheiro em mala! Fala para ele que trazer dinheiro em mala é coisa antiga; a moda agora é colocar na cueca.

(Voltam a bater na porta)

Assessor: Vou atender logo, que pela insistência deve ser eleitor e pobre. Olha o cheiro...cheiro de xixi de criança; deve ser aquelas mulheres parideiras...(sai).

Presidente: E o titio! Por isso que eu digo: Parentes melhor não tê-los, mas se  não temos, como desviar o dinheiro? Já voltou tão rápido, assessor?

Assessor: É uma eleitora! Mando-a entrar?

Presidente: Ficou louco? Vai lá e diz que só posso atender daqui a quatro anos quando estiver disputando novas eleições.

Teatro: Sábio Presidente! Tolo Eleitor!

Maria Ninguém: Cansei de esperar! Quero resolver meu “pobrema” agora!

Assessor: Agora é tarde, presidente!

Teatro: Sábia Eleitora! Tolo presidente!

Presidente: Mas de onde surgiu esta criatura? Quem é você?

Maria Ninguém: Meu nome é Maria Ninguém, uma das muitas que o senhor visitou antes das eleições. Moro no morro!

Presidente: Não estou lembrado! Foram tantos morros...

Maria Ninguém: E tantas promessas, né presidente?

Presidente: Certamente veio me pedir dinheiro: senhor assessor, cuide do caso dessa senhora!

Maria Ninguém: Num carece não senhor! O que me traz aqui é outra razão.

Presidente: Mas que diabos podem trazer uma pobre em minha humilde casa!

Maria Ninguém: Humilde é o barraco onde eu moro, presidente. Se não se lembra da mãe, deve de se lembrar da fia: entra menina!

(Entra Jeitosinha. Tímida, cabeça baixa sem encarar a platéia. Vestido simples e aparentando inocência.)

Presidente: Bonita moça!

Maria Ninguém: Agora o senhor se lembra, por certo! Eu sou aquela eleitora que o senhor prometeu ajudar e que me disse que podia dar uma vida mió para a guria. (vendo-o olhar fixamente para a menina), sabe como é presidente, tenho muita criança, é muita boca pra comer...

Teatro: São todas assim...vai para festa sem calcinha, abre as pernas, jogam crianças no mundo e depois jogam no monturo. Adora os bailes funks e ritmos afins. É a famosa Maria Ninguém. Nasce Ninguém e Morre Ninguém!

Maria Ninguém: (para platéia), Eu danço “mermo”! Isso é “pobrema” meu! É só alegria! Depois de tomar uma breja eu fico tontinha, meu!

Teatro: Já nasceu tonta!

Maria Ninguém: Nois quer, nois pode, nois merece ser feliz! Eu danço mermo! Sem calcinha ou com calcinha, danço mermo! Solta o som!

(Toca uma destas músicas que faz tanto sofrer este autor e recusa até sugerir um nome por pura ignorância cultural. A infeliz dança ao som do funk.)

Assessor: Chega! Acorda para vida, minha senhora! Faça alguma coisa presidente...

Presidente: Bonita moça!

Assessor: Chega infeliz! (segura-a)

Maria Ninguém: Sem agressão, morô? Nóis é mulher, nóis têm direito! Né porque Zé Valadão num tá aqui que tu pode colocar a mão, não...

Assessor: E quem diabo é Zé Valadão?

Maria Ninguém: Meu macho! E se Valadão te pega mói você todinho!

Assessor: Estou morrendo de medo! Você sabe quem eu sou?

Maria Ninguém: Sei não senhor! Mas pela cara não deve ser nada que presta!

Assessor: Eu sou o assessor do Presidente da República!

Maria Ninguém: Grande merda! O senhor é tão importante que eu nem sei o que quer dizer esse nome aí...

Assessor: Não sabe o que é um assessor? Pois muito me espanta! Assessor é uma pessoa muito importante! É o braço direito e esquerdo praticamente  do presidente da República! É o homem que cuida dos negócios do nosso amado Presidente é a ponte entre o presidente e os jornalistas!

Maria Ninguém: Olha, lá no morro a gente chama essa sua profissão de 171 e às vez de puxa-saco ou seja, você é igual papel higiênico – serve pra limpar as merda  que o presidente faz.

Assessor: Magoou! Olha aqui sua ...

Maria Ninguém: Olha aqui, nada! Eu vim resolver meu “pobrema”! (para o presidente), para de olhar para menina, velho babão, que você vai ter tempo demais para “zoiar” pra ela. Escuta o que eu tenho pra dizer: Não tenho condição de cuidar da menina; passo a responsabilidade pro senhor; o senhor agora é dono dela; pra mim promessa é dívida: prometeu tem que cumprir!

Presidente: Com muito gosto! Sua filha será bem cuidada, minha senhora!

Maria Ninguém: Se não for também ela já tá costumada! Não vai lhe dar trabaio; já ensinei o que tem que fazer!

Presidente: É menor?

Maria Ninguém: Menor e sem experiência, por isso minha recompensa tem de ser das boa...

Presidente: E como devo pagar, minha eleitora?

Maria Ninguém: Bom, o senhor sabe que a situação tá difícil...

Presidente: Quanto?

Maria Ninguém: Uma cesta básica durante este tempo que o senhor tiver no poder já é de bom tamanho...

Teatro: Vergonha! O que estão fazendo com nossas meninas! Vendida por cestas básicas!

Presidente: E a menina não fala? É muda?

Maria Ninguém: Pro que ela vai fazer, não carece de falar, né mermo,  presidente?

Presidente: Tem razão! A danada é bem jeitosinha! ( olha mais de perto, olha os dentes como se fosse escrava), Dentes bem cuidados, corpo excitável...(sorri).

Maria Ninguém: (para filha), Foi melhor assim, menina! Lembra do que te falei; não dê trabaio pro presidente; não crie nenhuma resistência; é ele agora o seu dono. Seria com qualquer um...é melhor se entregar para quem pode te dar uma vida mió que sair com qualquer um destes vagabundos! Adeus! (ameaça sair)

Presidente: Escuta: e a Jeitosinha não tem nome? Como posso chamá-la?

Maria Ninguém: Que importância tem o nome? Esta nasceu com o destino de muitas das suas eleitoras! São muitas com o mesmo nome, nesse Brasil de meu Deus! Ao nascer já sabem que tem que servir aos machos deste país. Dê o nome que achar melhor! Adeus Presidente! Ah, e não se esqueça da cesta básica!

Presidente: Jeitosinha! É este o nome que lhe darei, menina! Jeitosinha!

Assessor: Senhor presidente, temos algumas coisas pendentes...

Presidente: Ao diabo com suas coisas pendentes, assessor! Tenho coisa muito mais urgente a resolver. Deixe-me a sós com esta menina.

Assessor: Sim senhor! Com sua licença! (sai)

Presidente: Agora nós, jeitosinha! (avança para menina e a envolve em seus braços).

Jeitosinha: ( grita), Não, seu velho nojento! Me solta! Mãe! Mãe!

Presidente: Tu não tens mãe! Não viu? Ela te vendeu por uma cesta básica!

Jeitosinha: (consegue se desvencilhar), Pelo amor de nosso Senhor Jesus Cristo, não faz isso comigo, moço!

Presidente: Não invoca o nome dele que me brocha! Que bobagem! Ainda tens o defeito das crianças: acredita em Papai Noel!

Jeitosinha: Não acredita em Deus, monstro?

Presidente: Acredito e acredito que ele vai te salvar das minhas garras agora! (ri)

Jeitosinha: (vendo-se presa ao presidente), Me larga! Socorro!

Presidente: (no chão sobre ela), Não resista! Não resista! Sua mãe disse que não ia me dá trabalho, danada! Mas eu gosto, sabia? É mais excitante!

Jeitosinha: (perde a força e se entrega chorando), Mãe! Mãe!Mãe! Onde está a senhora que devia me proteger, mãe?

Presidente: Você vai gostar, menina! E depois que se acostumar vai pedir sempre! (acontece então o estupro, entre choros e gemidos).

Assessor: (entra), Senhor presidente, desculpe-me interrompê-lo em hora tão inoportuna, mas querem falar ao telefone....

Presidente: Mas isto é hora!? Quem diabo é?

Assessor: É um jornalista! Quer falar urgente!

Presidente: Com mil diabos! Passa o telefone assessor! (continua gemendo), Alô!

Jornalista: Alô, senhor presidente! Desculpe-me o incômodo; estou fechando minha coluna e gostaria de ouvir sua opinião!

Presidente: (gemendo), Sobre?

Jornalista: Desculpe-me, senhor, mas está acontecendo alguma coisa?

Presidente: Não. Por quê?

Jornalista: O Senhor parece estar gemendo!

Presidente: Gemendo? Ora, meu filho, e eu lá sou homem de ficar gemendo? Ai, que delícia! (gemendo).

Jornalista: O que o senhor disse?

Presidente: Nada. O que o senhor deseja? Não tenho tempo a perder, meu filho... Ui, maravilha!

Jornalista: Sente-se bem, presidente?

Presidente: Você nem imagina quanto!

Jornalista: A sua voz parece estranha! Insisto, presidente: está acontecendo alguma coisa?

Presidente: Não, meu filho! Oh, Deus será que um presidente não pode mais transar neste mundo?

Jornalista: O que disse-me,  presidente?

Presidente: Nada importante! É o telefone que anda ruim! Estas operadoras! Mas fale o que quer; estamos mais de vinte minutos conversando e você não diz o que quer; fala...

Jornalista: Claro! Fizemos uma reportagem sobre a violência contra a mulher e ao menor. Gostaríamos de saber que medida o senhor pretende adotar em seu governo para erradicar esta vergonha no nosso país?

Presidente: Realmente isto é uma vergonha! Eu não medirei esforços para tirar esta mácula da nossa sociedade! (geme), ui, delícia!

Jornalista: Que diz! O senhor está zombando de mim, presidente?

Presidente: Ora essa! E por que zombaria de ti?

Jornalista: Faço-lhe uma pergunta séria e o senhor me vem com gemidos e “ui que delícia”!

Presidente: Está louco, rapaz! Já lhe disse que a culpa é da operadora...

Jornalista: Então o senhor concorda que é  um ato vergonhoso para o país? O senhor sabe que milhares de jovens se prostituem nas ruas do Brasil e o nosso país está praticando convulsivamente o turismo sexual?

Presidente: Estou consciente de tudo isso e as medidas já estão sendo tomadas para solucionar este problema. Ui, maravilha!

Jornalista: Senhor, creio que devo finalizar minha entrevista, pois o  senhor não me parece bem, hoje! Tchau!

Presidente: Escuta! Quando você  pretende colocar esta entrevista no jornal?

Jornalista: Amanhã! Tchau!

Presidente: Assessor!

Assessor: Chamou-me, presidente?

Presidente: Ligue para o jornal e peça para o dono não deixar publicar a reportagem deste jornalista.

Assessor: Sim senhor!

Presidente: No país onde eu sou presidente, não existe prostituição de menor ou coisas afins! Agora jeitosinha, continuemos!

Assessor: Chega, presidente! Já vadiou demais! Temos assuntos sérios a tratar; o cerco está se fechando; o senhor precisa colocar o seu filho a par da situação. (olhando para menina), Vai para seu quarto, menina! A festa acabou!

(Sai jeitosinha como se fosse uma estátua andando.)

Presidente: O que foi desta vez, assessor?

Assessor: Pedi que seu filho viesse falar consigo; é hora de colocá-lo a par de todo o nosso plano para desviar o dinheiro; o pequeno Hamlet não pode mais ficar vivendo neste mundo de ilusão; é hora de revelá-lo todo sistema.

Presidente: Entenda, assessor! É o meu filho! Ele não pode ter esta idéia do pai...

Assessor: Escrúpulo nestas horas! Ora, era só o que faltava! Quem nasce aos seus não degenera!

Presidente: Ele não aceitará participar! Conheço o filho que tenho! É um sonhador!

Assessor: Veremos! Veremos! Aí, vem ele!

Hamlet: Meu presidente mandou-me  chamar?

Presidente: Oh, filho de minhas entranhas! Promete não se zangar com teu pai?

Hamlet: E por que me zangaria com meu presidente?

Presidente: Não tenho coragem, assessor! É mais forte que eu!

Assessor: Pois tenho eu! Meu jovem Hamlet, por acaso já se perguntou alguma vez na vida de onde vem a roupa que vestes? A comida que comes? A  camisinha que cobre o teu bilau?

Hamlet: Certamente do trabalho honrado do meu pai!

Assessor: E se eu te disser que não é tão honrado assim o trabalho de teu pai?

Hamlet: Se cometer tal ousadia deceparei vossa cabeça, insolente!

Presidente: Filho de minhas entranhas, não se agaste com o nosso assessor! Preciso fazer-lhe uma revelação! Vou confessar para você uma coisa que jamais confessei a ninguém. Sei que tens ouvido falar sobre o silêncio de vosso pai à  imprensa, e...

Hamlet: Sim, meu presidente! Mas juro-lhe que jamais acreditei em tais acusações!

Presidente: Pois para você eu confesso; eu rompo o meu silêncio: eu estou mais sujo que pau de galinheiro!

Hamlet: (assustado), O que dizes...?

Assessor: Meu bom rapaz, sei que vives num mundo de ilusão, mas  isso acontece desde que Brasil é Brasil!

Hamlet: Mais não com meu pai...

Presidente: Teu pai precisa de ti! Estou ficando velho, Hamlet!

Hamlet: Que queres de mim, meu presidente? Que eu navegue neste mar de lama? Que faça minha gente comer o pão que o diabo amassou, enquanto vivemos uma vida de luxúria?

Assessor: Sabia que não precisaria te explicar nada, Hamlet! Aqui estão os papéis que vão te colocar a par de tudo. (entrega os papéis); Cuidado, com estes papéis você pode destruir seu velho pai, se cair em mãos erradas...

Hamlet: Parece-me um sonho! Um pesadelo! Como pude ficar cego todo este tempo?

Presidente: Hamlet, não queira mal o papai...

Hamlet: Deixe-me só, meu senhor! Preciso pensar!

Assessor: Penses bem, Hamlet! A carreira política de teu pai está em tuas mãos. Você tem uma bomba em sua mão, se decidi por explodi-la, acabará para sempre com a carreira política de teu pai e conseqüentemente com a vida de luxo que leva; terás que escolher entre o ter e o ser. Pense bem, Hamlet! Tem muito mais a ganhar vindo para nosso lado! (sai).

Hamlet: (para platéia), Vivi sempre enganado! Ouvia sempre a voz de meu coração que me afirmava sempre que meu pai era inocente. Oh, indigno coração, por que me enganastes? Por que pusestes  em mim o véu da apatia? Por amar meu pai, fechei os olhos para tudo que estava a minha volta! Quantos de vós também não vivestes nesta apatia e deixastes  vossos  entes enveredardes por caminhos tortuosos? Quantos de vós estais andando por caminhos tortuosos? E eu agora, que caminho deverei seguir? ( abaixa a cabeça e olha os papéis), Então aqui está toda a sujeira que vem destruindo o Brasil! E cabe a mim salvar este país?

Teatro: Sim, Hamlet! Cabe a você escolher entre o bem e o mal!

Hamlet: De onde vem esta voz? Quem fala comigo?

Teatro: Sou eu Hamlet, o Teatro!

Hamlet: E o que é o Teatro?

Teatro: É um velho sonhador que desde que esta sujeira foi implantada no país, ficou esquecido!

(Entra o espectro do Brasil)

Brasil: Não se deixe enganar, Hamlet! Este velho vive do passado; de glórias que jamais voltarão; é um tolo!

Hamlet: E agora, que voz é esta que me chega ao ouvido?

Teatro: É o Brasil, Hamlet! Não o Brasil  lindo e trigueiro do Ary Barroso, mas o Brasil que se tornou espectro; é também uma vítima deste sistema.

Brasil: Não fique a pensar, Hamlet! Não queira mudar-me! Outros já tentaram! Muitos foram para o exílio, outros foram enforcados para livrar-me de Portugal e hoje estou submisso a outro país! Trocou seis por meia dúzia! Conheci até um que deixou seu próprio filho morrer numa cruz para salvar o mundo e hoje matam e morrem em Seu nome!

Teatro: Não lhe dê ouvidos, Hamlet! É um velho cansado de guerra! Não podemos perder o direito de nos indignar contra esta corrupção...

Brasil: Hamlet! Tu então acreditas que algum dia fui lindo e trigueiro? (ri), Coisas de poetas! E o teatro está sempre de conluio com os poetas...

Teatro: Mentes! Estou ao lado da indignação, seja lá de quem vier; de quem tem a sensatez de mudar a sociedade sem fazer guerra, sem derramar sangue; o teatro só tem sentido, se lutar por uma causa; seja na comédia  ou no drama temos o dever de provocar sensações, de fazer o povo refletir sobre seus dramas pessoais mas também sobre os dramas do seu próximo...

Brasil: (Gargalhando), Indigente! O Teatro já era! Pensas tu, que há de mudar o povo?

Teatro: Indigente, sim! Mas morto não! Enquanto tiver a praça pública o teatro não se calará! Hamlet, vem comigo! Vou lhe mostrar as desgraças deste país! (estende a mão).

Brasil: Não vai, Hamlet! Fique do lado do vosso pai! Querem pôr em vossa cabeça mais ilusões – é a cara do teatro! Escolha ter, Hamlet!

Teatro: Não. Escolha ser, Hamlet!  Vem comigo? (estende a mão).

Brasil: Não. Venha comigo, Hamlet! (estende a mão)

Hamlet: Oh,  estão a me confundir! (olhando para platéia), Oh, dúvida cruel! E agora? Ter ou não Ter, eis a questão!

Terceiro Ato

(Entram novamente os bailarinos com as caras pintadas, ao som da música “O que será”, Chico Buarque)

Teatro: Eu sabia que você ia escolher pela sensatez, querido Hamlet!

Hamlet: Estive cego todo este tempo!

Teatro: Muitos estão cegos! O Brasil está cego! Olha lá, está vendo aquela criança? Está se prostituindo! Aquele é um estrangeiro, é o famoso turismo sexual! Você está vendo?

Hamlet: Claramente!

Teatro: Pois é, as nossas autoridades não vêem! Você está vendo aquelas crianças pedindo no farol, enquanto deveriam estar nas escolas?

Hamlet: Claramente!

Teatro: Pois é, as nossas autoridades não vêem! Você está vendo aquele mendigo morrendo de frio?

Hamlet: Claramente!

Teatro: A nossa sociedade ajuda colocar fogo em seus corpos diariamente e os nossos governantes não vêem! Assim como não vêem milhares de índios sendo extintos. Assim como não viram Chico Mendes morrer...Então? Continua vendo claramente?

Hamlet: Sim, meu Senhor!

Teatro: Então claramente vos digo que deves entregar os documentos que compromete vosso pai!

(Entra o jornalista)

Jornalista: (bêbado), Rasguem os diplomas! No país onde não se pode pensar e expor suas idéias para que bolsa universitária? Inventam escolas da família, bolsas para negros e logo que saem da faculdade são impedidos de pensar! Mentira....minto, nos impedem de pensar dentro das próprias Universidades!

Hamlet: Quem é este?

Teatro: Mais um desiludido com este país! Ouçamos!

Jornalista: Escola da Família! Colocam nossos jovens para ensinar o que não sabem! Bolsa Família! Acharam uma maneira legal de comprar o nosso voto! Aplauso para o povo brasileiro!Aplauso para os negros que construíram este país! Aplauso para Betinho, que sonhou em acabar com a miséria! Aplauso para Paulo Freire, que sonhou em mudar a Educação deste país! Aplauso para os professores deste país, que não podem repassar os seus conhecimentos e ganham uma miséria! E aos marginais deste país...Deus lhe pague Chico Buarque por sua Roda Viva! Aplausos! Aplausos para um jornalista fracassado!

Hamlet: De onde vem esta revolta, cavalheiro?

Jornalista: Vem da impotência! De que serve um jornalista de um jornal cujo dono vive aos pés de um presidente?

Hamlet: E por que diz isto?

Jornalista: Tinha eu hoje uma reportagem sobre prostituição no Brasil; liguei para o presidente; pedi uma entrevista; deu-me; mas assim que acabei de desligar o infeliz ligou para o dono do jornal e impediu que a notícia fosse publicada! Me diz de que adianta filosofar nas universidades? Saímos cheio de sonhos, acreditando que vamos mudar o mundo e nos deparamos com um filho da puta que nos colocam mordaça. Que país é este, me diz? Cadê a liberdade de expressão deste país? Quero que todo mundo saiba que o presidente calou a minha voz...

Hamlet: O meu pai?

Jornalista: Teu Pai? Oh, companheiro, eu bebo e você fica de fogo! Filho do presidente da República! Esta é boa! (ri), Você é muito novo rapaz, para beber! Ouça um conselho de quem entende de porre! Não faz bem...(sai).

Hamlet: O meu pai?

Teatro: O teu pai! Ainda resta-lhe alguma dúvida?

Hamlet: Não, nenhuma. Se a mudança deste país está em minhas mãos, tenha certeza que a mudança vai começar. Vou entregar todo o sistema!

Teatro: A mudança está na mão de todos nós: o povo precisa parar de querer se dar bem em tudo. Temos que reformar este país e a mudança começa na casa de cada um. Antes de atacar o sistema temos que pôr o dedo na ferida de nossos familiares e mostrar que eles estão errados. Ai! (passa mal).

Hamlet: O que aconteceu? Está passando mal?

Teatro: Nada. Foi só uma vertigem! Vamos Hamlet, entrega todo este sistema de corrupção, não perca tempo...vai, vai...

Hamlet: Vou. Obrigado por abrir os meus olhos! (sai)

Teatro: É para isso que o Teatro está aqui! (cai cansado)

Ruas de Brasília. A primeira dama se encontra com o taxista.

Taxista: (só de cueca), Pelo o esforço que fiz vou ter que aumentar o valor do taxímetro, primeira-dama!

Primeira-Dama: Vocês são todos iguais! E olha que de taxista eu entendo.

Taxista: Entende, é? Então eu não sou o primeiro?

Primeira-dama: Não. Há muito tempo tive um grande amor que mudou minha vida.

Taxista: Não sabia que o presidente tinha sido taxista! Esta é nova!

Primeira-Dama: Não foi ele! Pelo presidente eu nunca sentir amor, só gratidão!

Taxista: Gratidão?

Primeira-Dama: Sim, gratidão. Vou lhe contar a história: eu era muito nova quando me apaixonei por um taxista. Sabe como é a juventude...não damos ouvidos aos mais velhos! Tivemos um caso e logo depois descobri que ele era casado; mesmo assim resolvi continuar sua amante, mas um dia aconteceu uma tragédia...

Taxista: Uma tragédia? Não me diga que o presidente mandou matar o sujeito? Olha que eu não quero bater com as dez, não!

Primeira-Dama: Não seja tolo! Pois se eu nem conhecia o presidente, aliás, ele ainda não era presidente!

Taxista: Então...

Primeira-Dama: Então... que mataram o taxista e eu estava grávida e não tinha ninguém para me ajudar; foi aí que eu procurei o presidente; ele cuidou dos meus piolhos, assumiu o meu filho e me transformou em primeira dama.

Taxista: Porra! O cara é generoso mesmo; o meu voto é dele nas próximas eleições.

Primeira-Dama: Seria incapaz de traí-lo!

Taxista: Mas a senhora acabou de transar comigo!

Primeira-Dama: Falo de outro tipo de traição! É...nós nascemos um para o outro! Ninguém me separa do meu presidente!

Taxista: É o papo está bom, mas dinheiro que é bom nada!

Primeira-dama: Que insensível! Todos os taxistas são iguais! É dinheiro que você quer, pois tome! (vai botando o dinheiro na cueca).

Taxista: Ai, aqui é zona proibida. Ui, ai que delícia! Vai, coloca o dinheiro na cueca! Se eles podem eu também posso! (sai)

(Voltemos à casa do presidente)

Presidente: Estou preocupado com meu filho, assessor! Sumiu!

Assessor: Relaxe, presidente! O senhor devia estar preocupado é com esta coisa estranha que está nascendo em sua testa.

Presidente: (olha no espelho), O que será isso? Isso nunca tinha aparecido antes...

Assessor: É que isso só aparece com o tempo! É igual ao emprego que  o senhor prometeu, com o tempo aparecerá para povo!

Presidente: Sabe, assessor! Estou com vontade de comer uma pizza!

Assessor: É pra já. Vou encomendar! Quer receio de quê?

Presidente: Caviar regado com champanha! Cansei de comer carne seca com feijão de corda!

Assessor: Seria prudente comprar uma pizza para o povo também, né, presidente?

Presidente: É justo! É muito justo!

Assessor: Pede uma de caviar para eles também?

Presidente: Ficou louco, assessor? Para o povo pede uma com receio de esperma!

Assessor: Mas presidente o povo não merece isto. São seus eleitores!

Presidente: Por isso mesmo! Em terra onde o povo me elege como presidente, não merece senão isto! Eu não presto, eu assumo!

(Batem à  porta...)

Assessor: Deve ser a pizza!

Presidente: Mas você nem encomendou?

Assessor: Não precisa. Para políticos as coisas são rápidas em nosso país. Eles sentem por telepatia. E depois a pizzaria é muito conhecida em nosso país...

Presidente: E qual é esta pizzaria?

Assessor: Chama pizzaria dos Sanguessugas! (sai)

Presidente: E estas coisas nascendo em minha testa! Estou começando a ficar preocupado!

Assessor: Aqui está sua pizza, presidente! (come), Espere, mas isto não é caviar! Isto é esperma! Trocaram a pizza, assessor!

Assessor: É...as coisas estão mudando presidente! O povo está ficando esperto! Bom, o que passou, passou! Vamos voltar ao batente! Precisamos nomear um novo ministro da cultura. Quem o senhor sugere?

Presidente: Qualquer um, assessor! Qualquer um! Só não esqueça que tem de ser artista!

Assessor: Por que artista?

Presidente: Ora, por que? Então você não conhece o povo do teatro? São pessoas perigosíssimas!

Assessor: É verdade! É verdade! Com esta gente não se brinca!

(Entram os policiais...)

Presidente: Mas que é isso? É uma invasão?

Policial 1: Tenho ordens pra levá-lo!

Policial 2: O seu filho Hamlet entregou para a justiça documentos que provam sua culpabilidade nesta quadrilha da corrupção...

Presidente: A culpa é do assessor!

Assessor: Minha?

Presidente: Sim, tua! Você é um incompetente, assessor! Não foi você que me convenceu que devia colocar meu filho a par da situação? Pois agora abra as pernas e deixa o fumo entrar.

Policial: Os dois já para prisão!(segura-os)

Presidente: Mas que diabo está acontecendo neste país? Nunca vi prender um presidente tão rápido. Isto é histórico!

Policial 2: É que no teatro o dramaturgo não desiste de sonhar!

Assessor: Não falei que as coisas estavam mudando por aqui?

Presidente: Escuta, rapazes! Podemos conversar! Seja mais amigável com o seu presidente que serei generoso!

Policial 1: Suborno? Agora sim está preso mesmo! O dramaturgo decidiu que não existe policial corrupto neste país! (levam-nos)

(A morte do teatro...)

Hamlet: Teatro! (grita), Fiz o que devia fazer! Os corruptos estão presos! Cadê você?

Brasil: Parabéns, Hamlet! Agora vejo que você tomou a decisão correta! Estou recuperando a minha força.

Hamlet: Então concorda agora com o Teatro?

Brasil: Sim, meu bom Hamlet! Eu estava cego de luz! Só agora vejo como estava errado! Em pouco tempo voltarei a ser lindo e trigueiro!

Hamlet: Fico feliz, meu Brasil! Mas onde está o Teatro?

Brasil: O Teatro está cada vez mais indigente, meu Hamlet! Ele está morrendo! Venha, eu o levarei até ele!

Hamlet: O que aconteceu, meu amigo teatro?

Teatro: Estou indo, meu Hamlet! Já vi muita coisa nesta vida, mas nenhuma delas me orgulhou tanto como o que você acabou de fazer! Você é um brasileiro de verdade! Só não entendo porque não lhe deram o nome de João, José...

Hamlet: Porque em meu país os meus irmãos já nascem estrangeiros!

Teatro: Uma vez o príncipe Hamlet esteve em meu palco! Tantos atores já o encenaram! Tive muitas alegrias nesta vida! Grandes atores já me deram a alegria de subir no meu palco. Uns ainda estão por aqui; outros já se foram! Paulo Autran, quanto orgulho me deste! Laura, Fernanda, Lélia, Raul...quantas alegrias...Ah, e Yolanda Cardoso por onde anda? Vi muita gente boa que se não estivesse em momentos derradeiros soltariam deliciosamente os seus nomes em meus lábios! Acusam o teatro de não aceitar os novos! Mas não...eu sempre lutei para que os jovens aprendessem com os velhos e os velhos fossem generosos com os jovens! O teatro se traduz por generosidade! Talvez seja vaidoso, eu confesso! Mas quem já teve Cacilda Backer em seu palco, como não sê-lo? Estive pensando muito nela! Lembro-me como se fosse hoje...ela estava apresentando “Esperando Godot”, quando caiu em meus braços e eu a levei suavemente para o chão do palco; era o fim de sua vida mas o início da glória do teatro; escreveu para sempre o seu nome na cena brasileira! Não, não sou saudosista! Hoje me mandaram uma peça de teatro, não a li, não tive tempo! (levanta a peça), mas também o que importa? São todas iguais!

Hamlet: Quem é o autor?

Teatro: Chama-se Larry Redon! Deve ser como todas as outras! Sempre tem algum jovenzinho brincando de ser dramaturgo! Não tenho mais paciência! Se puder, leia! Ou entregue às poucas pessoas deste país que ainda lêem...Adeus, Hamlet! Adeus! Sinto-me que Guarnieri e Célia Helena estão me embalando em seus braços!

(Vozes por trás do palco: O teatro morreu! O teatro morreu! )

(Na prisão...)

Presidente: Será que vamos permanecer nesta prisão para sempre?

Assessor: Não reclame, presidente! Poderia ser pior! Aqui pelo menos temos televisão, uma boa cama...

Presidente: E a visita íntima, será que vão liberar?

Assessor: Isso, acho que não...

Presidente: Então acho que você vai resolver o meu problema!

Assessor: Isso, não presidente!

Presidente: Isso, sim assessor!

Policial: Que palhaçada é esta? Vamos parando!

Presidente: (fechando o zíper), Que aconteceu? Veio nos libertar?

Policial: Não, vim avisá-lo que foi sancionada uma nova lei no Brasil.

Presidente: E que lei é esta?

Todos gritam: Quem cala consente!

(Toca a música “Brasil”, de Cazuza e todo o elenco entra no palco.)




“ meu presidente é qualquer um; o meu assessor é qualquer um; minha primeira-dama é qualquer uma; o meu Hamlet por ficar entre o certo e o errado, torna-se qualquer um; mas o meu teatro não é qualquer um”.


Larry Redon

São Paulo, 12 de agosto de 2006.