ESTES USAM BLACK-TIE
GÊNERO: Dramaturgia
AUTOR: LARRY
REDON
Prefácio
Existem textos que parecem fugir de
nossas mãos, como se não tivéssemos direitos sobre eles, mesmo sendo nós os
seus autores. Os textos que coloco em vossas mãos, fugiram de mim durante muito
tempo e quando menos esperava, surgiram diante de mim, exigindo serem
publicados.
As duas peças que vos apresento, fugiram
de mim durante 6 anos e quando acreditava que não as veria mais, apareceram
dentro de meu e-mail, por obra do destino, num momento em que suas temáticas
ressurgem na mídia, fazendo-me perceber que elas estavam apenas esperando o
momento certo de se apresentarem ao
amigo leitor.
A primeira peça, “Estes Usam Black-Tie”,
conta a história de um presidente da República que se envolve numa rede de
corrupção e tenta levar o filho para o mesmo caminho, silenciando-se diante das
denúncias de corrupção que envolve o país, pois sabe que poderão chegar até
ele.
A segunda peça, “Ao Deus-Dará”, conta a
história de jovens que se envolvem no mundo das drogas e do crime, por
viverem num país que os empurra para
marginalidade e que não lhes dão outra forma de vida. É o retrato fiel de um
Brasil que está cada vez mais se afundando por não apostar na força dos jovens,
negando-lhes uma educação de qualidade.
Ao ler ambos os textos, acredito que o
leitor poderá contextualizar as duas peças, reconhecendo muitas personagens e
histórias que circulam em nosso cotidiano, pois uma dialoga com a outra,
compondo um painel de um Brasil que morre aos poucos por não dar dignidade a
sua nação e de uma nação que perece por aceitar ser conduzida por crápulas que
vê na política a única forma de ascensão social, enquanto o povo se afoga na
lama da miséria!
Larry Redon
Esta peça é
uma obra de ficção. As personagens construídas por este autor, embora residam
num país chamado Brasil, não significa que possam ser figuras do nosso tempo,
por isso é conveniente informar aos
intérpretes que fujam de uma interpretação que possa levar a tal
interpretação. As personagens desenvolvidas neste texto podem ser figuras do
passado, do presente e certamente do futuro, pois em cada século tivemos estas
figuras que fizeram do Brasil o que ele é hoje. O que ele é? Não sei. Apenas
acredito que ele deixou faz muito tempo de ser um país lindo e trigueiro; e que
as reticências me salve neste momento tão triste deste país...
Enredo da peça
Enquanto Guarnieri, em Eles Não Usam
Black-Tie, mostra sua personagem furando a greve, aqui mostrarei o nosso
personagem furando um sistema de corrupção. Se Guarnieri dispõe no palco os
operários, este autor dispõe os seus algozes.
O jovem Hamlet sempre viveu no mundo de
sua imaginação. Sem saber o que acontecia
no seu país, coisa comum a todos os brasileiros nos dias atuais.
Convidado a participar de um sistema de corrupção pelo próprio pai, Presidente
da República, o jovem Hamlet depara-se com a realidade de seu país e começa a
questioná-lo. Nasce então um Hamlet
confuso e questionador, daí a referência do personagem de Shakespeare.
Ao se recusar a participar do projeto
imundo do pai e depois de encontrar com o espectro do Brasil, Hamlet é expulso
de casa e acaba se deparando com o Teatro, que vive nas ruas como indigente.
Tal fato fará com que ele conheça
melhor o seu país e enfrente seu pai por um Brasil melhor. No palco figuras
comuns da sociedade ajudam a compor a cara do Brasil que será despido e
cantado neste palco de todos nós que é o
teatro.
Espaço
No palco a história se passará na
casa do Presidente, numa rua qualquer do Brasil e num presídio.
Personagens
Teatro: Um velho já cansado pelos
anos e pelas coisas vividas. Tem aqui a função de criticar o Brasil e a
decadência de uma sociedade.
Brasil: Aparece sobre a forma de
fantasma para Hamlet. É um conselheiro negativo que também está cansado pelo
descaso.
Hamlet: Jovem sonhador e confuso
que vai bater de frente com seu pai por
um país melhor.
Presidente da República: Político
corrupto que tenta passar para o filho o legado de sua vida obscura.
Primeira-dama: Mulher que leva
uma vida fútil. Preenche seu tempo em gastar dinheiro com os taxistas, de quem
obtém os prazeres do sexo.
Assessor: Braço direito do
Presidente da República – o famoso puxa-saco. Serve tanto para cuidar dos
negócios como para fazer massagens no presidente.
Jornalista: Tipo comum da nossa
sociedade jornalística: aquele que sonhou em mudar o Brasil e se deparou com os
obstáculos do poder.
Maria Ninguém: Mulher simples que
entrega a própria filha para o presidente, mesmo sabendo que ele a explorará
para os seus prazeres.
Jeitozinha: Menina de 16 anos que
será abandonada pela mãe e estuprada pelo Presidente.
Taxista: Representa um dos
amantes da primeira-dama. Homem vulgar, que recebe dinheiro pelos serviços prestados a primeira dama.
Dois bailarinos: Estes dançarão
seminus, com o corpo pintado de verde e amarelo, ao som das músicas de cazuza,
Chico Buarque e Ivan Lins.
Dois policiais: Servem para
prender o presidente da República e seu assessor.
Músicas que comporão
o espetáculo
Daquilo Que Eu Sei – Ivan Lins.
O Que Será ? – Chico Buarque.
Brasil - Cazuza.
Primeiro Ato
Informação: O autor desta peça,
Larry Redon, tem a sensatez de informar que esta é uma obra de ficção. Qualquer
semelhança entre pessoas ou fatos reais terá sido mera coincidência.
Teatro: (imponente), Abri
caminhos, meu povo! O teatro pede passagem para vestir os nus de nossa
realidade. Vós que aqui estais, se por um acaso identificar-vos com as
personagens que circularão neste palco, não vos zangueis com o Teatro – é costume dele abrir os olhos,
dar luz aos mortos de pensamento. Oh! Que culpa tem vós meus brasileirinhos que
há séculos foram condicionados a se calar diante desta lama que sempre cobriu o
nosso país? Que culpa tem vós destes
anos de decadência cultural que a ditadura nos legou! Que culpa tem vós de não
pintarem mais os rostos e marcharem nas ruas pelos os direitos que te competem!
Que culpa tem vós por não saberes de vossos deveres! Acendei a luz deste
espetáculo por completo, para dar luz ao
povo e para exibir uma figura com quem todos estão acostumados, mas que
esquecem o mal que faz e fez a sociedade! Todos que saíram de vossas casas e
deixaram vossas famílias para virem aprender com o teatro, apesar desta guerra
interna que estamos vivendo, merecem refletir sobre esta figura: Senhoras e
Senhores, com vocês Um presidente da República.
(Acendem-se todas as luzes,
enquanto o Teatro sai de cena e aparece o presidente com sua faixa verde e
amarela)
Presidente: Senhores e Senhoras!
É com orgulho que venho a público para agradecê-los pela confiança depositada
em minha pessoa. Com a confirmação de minha reeleição, vejo que o povo
brasileiro conseguiu compreender as razões do meu silêncio. É o silêncio que
fala mais que as palavras, é o silêncio de uma credibilidade que o povo me
dispensa; é o silêncio de um homem que sempre lutou pelos mais pobres e que
embora tenha sofrido acusações por parte de seus opositores lutou e lutará para
que o Brasil continue crescendo como nunca cresceu nos anos que era dominado
pelos meus antecessores. Se o Brasil era antes dominado, hoje este país é
governado por um presidente que sempre
esteve ao lado dos pobres e é por estar ao lado dos humildes, que lançarei
assim que tomar posse a renda máxima, para que todos tenham pão na sua mesa e
assim matarmos a fome deste país. Lute comigo, meu povo, para que juntos
possamos erradicar a fome e a miséria do nosso país!
(Sai o presidente de cena.
Aparece no palco dois bailarinos seminus, com o corpo pintado de verde-amarelo
e dança ao som da música de Ivan Lins, Daquilo Que Eu Sei)
Segundo
Ato
(Escritório do Presidente. O
Assessor discute com o presidente os planos de governo)
Presidente: (chegando junto com o
Assessor): Enfim sós, senhor assessor! O povo é sábio! O povo sabe separar o
joio do trigo!
Assessor: (colocando servilmente
a cadeira para o presidente), Confesso ao senhor que duvidei de sua reeleição;
achei que o seu silêncio diante deste mar de lama poderia comprometê-lo!
Presidente: Esta não é a primeira
vez que isso acontece! E não será a primeira vez que isso acabará em pizza! E
depois não tenho nada a temer: eu sou um homem correto e o senhor é testemunha
disso, meu assessor.
Assessor: Mas...senhor
presidente...
Presidente: Nem mais nem menos,
senhor assessor! Neste mar de lama meu barquinho não navega. Portanto, não me
comprometa! Eu como bom brasileiro que sou lutarei junto a CPI, para que os
verdadeiros culpados sejam punidos.
Assessor: Ah, já sei! Como eu sou
tolo! O Senhor tem medo que tenha câmera escondida! Afinal virou moda o Big
Brother! Vou investigar! (procura os microfones de quatro), Não há nada senhor
presidente!
Presidente: Sai desta posição
ridícula, senhor assessor! Olha, foi nesta posição que muitos presidentes
perderam as eleições! Venha fazer uma massagem nos meus pés que esta condição
de presidente me cansa: é viagem pra cá, viagem pra lá! Ai, eu ainda me mato
por este país e os meus adversários não reconhecem!
Assessor: (puxando o saco), Oh!
Pobre do meu presidente! Eu sou testemunha do seu sacrifício! (começa a fazer
massagem no pé).
Presidente: É uma pena que
palavra de assessor não absolve ninguém na CPI! Nem parente, estes além de nos
sugarem, não servem pra nada; nem para fazer massagem nos pés! Ah, os parentes!
Assessor: (Puxando o saco), É
verdade! É por isso que o senhor tem o
seu assessorzinho sempre por perto! Massagear os seus pés me dá um prazer inenarrável! É quase orgásmico!
Presidente: Então se é assim,
senhor assessor, massageia um pouquinho mais acima!
Assessor: (obdecendo), Seria o
seu tornozelo?! (pega no tornozelo).
Presidente: Não, um pouquinho
mais acima!
Assessor: Seria suas pernas?
Presidente: Não, um pouquinho
mais acima!
Assessor: (trêmulo e ofegante),
Seria suas coxas?
Presidente: (irritado), Não sejas
burro, assessor! Quero que massageie aqui. (coloca a mão do assessor em sua
genitália).
Assessor: (pula assustado e com a
voz quase afeminada), O Senhor sabia que eu posso processá-lo por assédio
sexual?
Presidente: Como? Quer se
rebelar? Esqueceu que sou o presidente da República?
Assessor: Não! De forma alguma!
(suaviza a voz), Mas o senhor há de convir que existem certas coisas que um assessor, embora possa e
seria maravilhoso, quase uma honra, massagear um presidente em tal região – ele
não deve fazer por uma questão de respeito e admiração a um ser tão nobre
quanto Vossa Excelência!
Presidente: Pois eu te dispenso
de tal respeito! Agora venha! Faça o que te peço!
Assessor: (Nervoso), Mas
Senhor...
Presidente: Ah, então recusa!
Pois muito bem: se o senhor não serve para dar uma simples massagem em seu
presidente, então irá para rua fazer coisa pior. Você está demitido!
Assessor: Não faça isso senhor!
Eu sou um pai de família! O que será de minha vida agora?
Presidente: Pensasse nisso
antes!Quanto ao que será da tua vida, já imagino: ficarás mendigando pelas ruas
ou pior vendendo seu corpo pelas ruas...ou melhor ...te transformarei em galã
de novela das oito.
Assessor: (chorando), Não. Tudo
menos isso, Senhor! Não quero ficar como estes rapazes fazendo cara de
samambaia, enquanto os grandes atores morrem de fome neste país.
Presidente: Ora, não sejas
preconceituoso, assessor! É preciso abraçar o novo!
Assessor: Mas e o talento...
Presidente: E o talento! O mundo
mudou assessor e nós temos que acompanhar o mundo! E depois estes galãs ganham
rios de dinheiro! Você poderia ficar rico! É pena que a fama seja tão
passageira! É...a fama e o prestígio são coisas distintas: uma deságua onde a
beleza acaba, outra nos asilos...É! Está decidido: serás galã de novela das
oito.
Assessor: (ajoelha aos pés do
presidente), Oh, não! Tenha pena de mim. Eu faço tudo que vossa excelência
pedir!
Presidente: Que bom! Que bom!
Então aproveitando a posição que você está agora, vou mudar o meu
pedido...(abaixa o zipper).
Assessor: Isso não,
presidente...(suplicante)
Presidente: Isso sim,
assessor...(sorri maliciosamente)
Assessor: Isso não, presidente...
Presidente: Isso sim, assessor...
Assessor: Isso não,
presidente...(quase chorando)
Presidente: (irritado), Isso sim,
assessor! (grita)
(Entra a primeira-dama)
Primeira-Dama: O que se sucede
aqui? Posso saber, presidente?
Presidente: Ah, minha
Primeira-Dama, sempre chega na hora errada. Quer saber? O meu assessor ia fazer
o que a senhora não faz há tempos. Se a senhora fosse elegante, andaria nas
pontas dos pés e terias o privilégio de ver seu marido transformar-se num
viado.
Primeira-Dama: Que horror!
Assessor: Isso é realmente um
horror! E eu nunca desconfiei, primeira-Dama.
Primeira-Dama: Cala-te imbecil! O
horror não é ele ser gay – isto todo homem é: se não é na infância é na
velhice! O horror é ele usar este nome tão baixo para se referi ao povo que o
elegeu. Se o senhor está no poder hoje dê graças aos homossexuais deste país!
Vamos, diga senhor presidente, quantas paradas Gays nós já não fomos atrás de
voto?
Presidente: É verdade, foram
muitas! Sabe que às vezes eu fico com pena destes rapazes, eles acham que estão
lutando para acabar com o preconceito, mal sabem eles que servem apenas para
trazer lucro para a cidade; é mais uma festa no Brasil e quem a inventou a fez
para ganhar voto e aumentar o turismo. Esta corrupção eu não levo na alma...
Primeira-Dama: Mas o seu partido
leva! Ah, eu sempre me esqueço, que o meu marido nunca está a par do que faz o seu partido...
Assessor: (de joelho para
Primeira-Dama), Parem de brigar, resolva minha situação primeira-dama. Não
deixa ele me transformar em ator de novela das oito. (fica com a boca em
direção a genitália da primeira-dama).
Primeira-Dama: Ai, assessor!
Aproveitando que você está nesta posição tão favorável faz também em mim o que
o presidente pediu para que fizesse nele. Ai, como sou louca, não controlo os
meus impulsos! Melhor não!
Assessor: Melhor sim,
primeira-dama!
Primeira-Dama: Melhor não,
assessor!
Assessor: Ah, melhor sim,
primeira-dama!
Primeira-Dama: Ai, melhor não,
assessor! (quase cedendo)
Assessor: Melhor sim,
Primeira-Dama!
Primeira-Dama: (Grita), Melhor
não, Assessor! (empurra-o)
(Entra o Teatro e começa narrar
enquanto a primeira-dama desfila)
Teatro: E com vocês na passarela,
A Primeira-Dama: 1,65 de altura, 35 de quadril, não sei quanto de bunda. Seu
esporte preferido gastar energia com os taxistas; Suas roupas? De algum
estilista estrangeiro - é de praxe desprezar o nacional! Têm uma qualidade
indispensável às primeiras-damas, estar sempre atrás do marido (nunca ao lado),
e distribuir o dinheiro roubado. Seu destino? Ir para o nordeste plantar
mandioca – é justo, pois plantará o produto do qual sempre se alimentou.
Primeira-Dama: (olhando para a
platéia), Ele está sendo injusto, pois desde que meu marido criou a renda
máxima, os nordestinos fugiram da roça e não plantam mais mandiocas. Meu Deus,
será que meu marido fez isso de propósito? (olha para o presidente), Você me
deve explicações presidente: por que você quer acabar com as mandiocas deste
país?
Teatro: (olhando para platéia),
hum...! Sábio presidente! Sábia Primeira-dama!
Presidente: Ora, deixemos disso,
primeira-dama! A intenção era boa! Onde está o nosso amado filho, Hamlet?
Hamlet: Aqui estou amado pai.
(Abraça o pai).
Presidente: Olha como parece com o
papai!
Assessor: Tem gente que é cega!
Primeira-Dama: (indo para
abraçá-lo), Filho de minhas entranhas!
Hamlet: Afaste-se de mim, mulher!
(afasta-se)
Primeira-Dama: Hamlet! Então
recusa tua própria mãe? Eu que o
carreguei durante nove meses no meu ventre!
Hamlet: Grande feito! Entra no
meu rabo que te carrego por um ano.
Primeira-Dama: (espantada),
Hamlet!
Teatro: Esta juventude! Estão
todos assim: os pais não passam de marionetes em suas mãos.
Hamlet: (olhando para plateia),
Está sendo injusto! Foi ela que me criou assim!
Teatro: Sábio Hamlet! Hoje em dia
elas criam os filhos para destruir os vizinhos e não percebem que estão
destruindo a si mesmas.
Primeira-Dama: Ai, que agora eu
morro! (cai)
Presidente: Socorram-na! Chamem a
ambulância!
Assessor: Ambulância não, senhor
presidente! Não é prudente! Deixe a maré abaixar que a imprensa está de olho!
Teatro: Sábio assessor! Que seria
dos políticos se não fossem eles!
Presidente: Sábio assessor! Que
seria de mim se não fosse você! Considere-se readmitido!
Assessor: Eu sabia! O senhor com
sua alma generosa sempre...(beija a mão do presidente), como posso agradecê-lo!
Presidente: Você sabe assessor,
você sabe!
Primeira-Dama: Escuta, continuo
desmaiada! Ninguém vai me socorrer?
Hamlet: Deixe de frescura, mamãe!
Vou-me embora! Cansei desta cena patética!
Presidente: Hamlet, não fale
assim com a mamãe!
Primeira-Dama: Há de se
arrepender! Eu uma pobre mãe e esposa humilhada, meu Deus! Irei para minha
alcova!(sai)
Hamlet: Alcova? Que antiga! Assessor,
meu pai,com licença!
Presidente: Para onde vai, filho
de minhas entranhas?
Hamlet: Vou continuar em meu
mundo dos sonhos! Vou construir meus castelos e acalmar minhas guerras
interiores.
Presidente: Sim! Vai pequeno
Hamlet, mas volte logo porque o papai precisa falar sério contigo.
Hamlet: Mas o que meu pai tem de
tão sério a falar-me?
Presidente: Sabe, pequeno Hamlet,
o seu pai está ficando velho e tu na qualidade de meu sucessor...
Hamlet: (espantado), Eu sou teu
sucessor? Mas isto é uma República ou uma Monarquia?
Presidente: (confuso), É uma
República e às vezes não é, entendeu? (diante da negativa do filho), Explica a
ele assessor!
Assessor: Deixa comigo! Meu amado
Hamlet, é que no Brasil nem sempre o que parece é. É bom tu aprenderes rápido
esta lição, senão vais ter que Hizbollah, Hizbollah, Hizbollah...(ri).
Hamlet: Cale-se, pulha! Como
ousas fazer piadas desta guerra maldita! Enquanto velhos e crianças enterram
seus mortos, vejo em minha frente um infeliz que se acha no direito de fazer
tagarelice com as desgraças alheia porque acredita que as desgraças são
realmente alheias. (avança).
Assessor: Perdão, Senhor! Por
favor, aplacai vossa ira!
Hamlet: A desgraça é de todos
nós. Eles estão comendo o pó dos escombros hoje e nós o comeremos amanhã. Deus
meu, até quando os senhores da guerra vão esmagar nossas crianças e os nossos
velhos? Senhor, tu que disseste que mil cairia ao nosso lado e dez mil a nossa
direita, diga-me quando calcaremos aos pés esta serpente? Até quando os homens
darão vazão aos seus instintos malignos? (agarra o pescoço do assessor).
Assessor: Socorro!
Presidente: Acalme-se, filhinho!
Não machuque o assessor!
Hamlet: É preciso matar a
serpente, meu senhor!
Assessor: Pois mate vosso pai
primeiro, que é a serpente maior! Ou melhor, mate o papa, mate os banqueiros
porque um assessor é só um assessor!
Presidente: Assessor!(reprova-o).
Assessor: O Vosso filho, meu
presidente, condena a ira dos homens e
entretanto está com as mãos no meu pescoço: não estaria fazendo ele
comigo o que todos os homens fazem com os outros?
Teatro: Sábio assessor! É fácil
filosofar sobre a paz quando não reconhecemos nossa guerra particular!
Hamlet: (apático, caindo em si),
Tens razão assessor! Perdoe-me! Devo me retirar! (ameaça sair).
Presidente: Para onde vai o meu
pequeno Hamlet?
Hamlet: Vou refletir! Vou
apaziguar minha guerra interior! (sai)
Presidente: Pobre Hamlet! Pobre
menino! Ainda não conhece a maldade humana.
Assessor: Pobre de mim que quase
fui estrangulado por este maníaco!
(Batem na porta)
Presidente: Quem será? Por que
batem a minha porta? Ainda não providenciou a campainha, senhor assessor?
Assessor: Ainda não foi possível,
graças ao seu tio, senhor presidente!
Presidente: Mas o que tem a ver o
meu tio com a campainha de minha casa?
Assessor: Ora, senhor presidente,
esqueceu que o dinheiro da lavagem que fizemos está na conta do vosso tio de
Itapecerica da Serra?
Presidente: E por que você não
pediu que ele o trouxesse, seu incompetente?
Assessor: Já tomei as providências
cabíveis, mas vosso tio tem medo de sair com a mala na rua: é muita grana
presidente! Olha, com esta grana poderíamos matar a fome de todo o Brasil.
Presidente: Titio e suas manias!
Trazer dinheiro em mala! Fala para ele que trazer dinheiro em mala é coisa
antiga; a moda agora é colocar na cueca.
(Voltam a bater na porta)
Assessor: Vou atender logo, que
pela insistência deve ser eleitor e pobre. Olha o cheiro...cheiro de xixi de
criança; deve ser aquelas mulheres parideiras...(sai).
Presidente: E o titio! Por isso
que eu digo: Parentes melhor não tê-los, mas se
não temos, como desviar o dinheiro? Já voltou tão rápido, assessor?
Assessor: É uma eleitora! Mando-a
entrar?
Presidente: Ficou louco? Vai lá e
diz que só posso atender daqui a quatro anos quando estiver disputando novas
eleições.
Teatro: Sábio Presidente! Tolo
Eleitor!
Maria Ninguém: Cansei de esperar!
Quero resolver meu “pobrema” agora!
Assessor: Agora é tarde,
presidente!
Teatro: Sábia Eleitora! Tolo
presidente!
Presidente: Mas de onde surgiu
esta criatura? Quem é você?
Maria Ninguém: Meu nome é Maria
Ninguém, uma das muitas que o senhor visitou antes das eleições. Moro no morro!
Presidente: Não estou lembrado!
Foram tantos morros...
Maria Ninguém: E tantas
promessas, né presidente?
Presidente: Certamente veio me
pedir dinheiro: senhor assessor, cuide do caso dessa senhora!
Maria Ninguém: Num carece não
senhor! O que me traz aqui é outra razão.
Presidente: Mas que diabos podem
trazer uma pobre em minha humilde casa!
Maria Ninguém: Humilde é o
barraco onde eu moro, presidente. Se não se lembra da mãe, deve de se lembrar
da fia: entra menina!
(Entra Jeitosinha. Tímida, cabeça
baixa sem encarar a platéia. Vestido simples e aparentando inocência.)
Presidente: Bonita moça!
Maria Ninguém: Agora o senhor se
lembra, por certo! Eu sou aquela eleitora que o senhor prometeu ajudar e que me
disse que podia dar uma vida mió para a guria. (vendo-o olhar fixamente para a
menina), sabe como é presidente, tenho muita criança, é muita boca pra comer...
Teatro: São todas assim...vai
para festa sem calcinha, abre as pernas, jogam crianças no mundo e depois jogam
no monturo. Adora os bailes funks e ritmos afins. É a famosa Maria Ninguém.
Nasce Ninguém e Morre Ninguém!
Maria Ninguém: (para platéia), Eu
danço “mermo”! Isso é “pobrema” meu! É só alegria! Depois de tomar uma breja eu
fico tontinha, meu!
Teatro: Já nasceu tonta!
Maria Ninguém: Nois quer, nois
pode, nois merece ser feliz! Eu danço mermo! Sem calcinha ou com calcinha,
danço mermo! Solta o som!
(Toca uma destas músicas que faz
tanto sofrer este autor e recusa até sugerir um nome por pura ignorância
cultural. A infeliz dança ao som do funk.)
Assessor: Chega! Acorda para
vida, minha senhora! Faça alguma coisa presidente...
Presidente: Bonita moça!
Assessor: Chega infeliz!
(segura-a)
Maria Ninguém: Sem agressão,
morô? Nóis é mulher, nóis têm direito! Né porque Zé Valadão num tá aqui que tu
pode colocar a mão, não...
Assessor: E quem diabo é Zé
Valadão?
Maria Ninguém: Meu macho! E se
Valadão te pega mói você todinho!
Assessor: Estou morrendo de medo!
Você sabe quem eu sou?
Maria Ninguém: Sei não senhor!
Mas pela cara não deve ser nada que presta!
Assessor: Eu sou o assessor do
Presidente da República!
Maria Ninguém: Grande merda! O
senhor é tão importante que eu nem sei o que quer dizer esse nome aí...
Assessor: Não sabe o que é um
assessor? Pois muito me espanta! Assessor é uma pessoa muito importante! É o
braço direito e esquerdo praticamente do
presidente da República! É o homem que cuida dos negócios do nosso amado
Presidente é a ponte entre o presidente e os jornalistas!
Maria Ninguém: Olha, lá no morro
a gente chama essa sua profissão de 171 e às vez de puxa-saco ou seja, você é
igual papel higiênico – serve pra limpar as merda que o presidente faz.
Assessor: Magoou! Olha aqui sua
...
Maria Ninguém: Olha aqui, nada!
Eu vim resolver meu “pobrema”! (para o presidente), para de olhar para menina,
velho babão, que você vai ter tempo demais para “zoiar” pra ela. Escuta o que
eu tenho pra dizer: Não tenho condição de cuidar da menina; passo a
responsabilidade pro senhor; o senhor agora é dono dela; pra mim promessa é
dívida: prometeu tem que cumprir!
Presidente: Com muito gosto! Sua
filha será bem cuidada, minha senhora!
Maria Ninguém: Se não for também
ela já tá costumada! Não vai lhe dar trabaio; já ensinei o que tem que fazer!
Presidente: É menor?
Maria Ninguém: Menor e sem
experiência, por isso minha recompensa tem de ser das boa...
Presidente: E como devo pagar,
minha eleitora?
Maria Ninguém: Bom, o senhor sabe
que a situação tá difícil...
Presidente: Quanto?
Maria Ninguém: Uma cesta básica
durante este tempo que o senhor tiver no poder já é de bom tamanho...
Teatro: Vergonha! O que estão
fazendo com nossas meninas! Vendida por cestas básicas!
Presidente: E a menina não fala?
É muda?
Maria Ninguém: Pro que ela vai
fazer, não carece de falar, né mermo,
presidente?
Presidente: Tem razão! A danada é
bem jeitosinha! ( olha mais de perto, olha os dentes como se fosse escrava),
Dentes bem cuidados, corpo excitável...(sorri).
Maria Ninguém: (para filha), Foi
melhor assim, menina! Lembra do que te falei; não dê trabaio pro presidente;
não crie nenhuma resistência; é ele agora o seu dono. Seria com qualquer um...é
melhor se entregar para quem pode te dar uma vida mió que sair com qualquer um
destes vagabundos! Adeus! (ameaça sair)
Presidente: Escuta: e a
Jeitosinha não tem nome? Como posso chamá-la?
Maria Ninguém: Que importância
tem o nome? Esta nasceu com o destino de muitas das suas eleitoras! São muitas
com o mesmo nome, nesse Brasil de meu Deus! Ao nascer já sabem que tem que
servir aos machos deste país. Dê o nome que achar melhor! Adeus Presidente! Ah,
e não se esqueça da cesta básica!
Presidente: Jeitosinha! É este o
nome que lhe darei, menina! Jeitosinha!
Assessor: Senhor presidente,
temos algumas coisas pendentes...
Presidente: Ao diabo com suas
coisas pendentes, assessor! Tenho coisa muito mais urgente a resolver. Deixe-me
a sós com esta menina.
Assessor: Sim senhor! Com sua
licença! (sai)
Presidente: Agora nós,
jeitosinha! (avança para menina e a envolve em seus braços).
Jeitosinha: ( grita), Não, seu
velho nojento! Me solta! Mãe! Mãe!
Presidente: Tu não tens mãe! Não
viu? Ela te vendeu por uma cesta básica!
Jeitosinha: (consegue se
desvencilhar), Pelo amor de nosso Senhor Jesus Cristo, não faz isso comigo,
moço!
Presidente: Não invoca o nome
dele que me brocha! Que bobagem! Ainda tens o defeito das crianças: acredita em Papai Noel !
Jeitosinha: Não acredita em Deus,
monstro?
Presidente: Acredito e acredito
que ele vai te salvar das minhas garras agora! (ri)
Jeitosinha: (vendo-se presa ao
presidente), Me larga! Socorro!
Presidente: (no chão sobre ela),
Não resista! Não resista! Sua mãe disse que não ia me dá trabalho, danada! Mas
eu gosto, sabia? É mais excitante!
Jeitosinha: (perde a força e se
entrega chorando), Mãe! Mãe!Mãe! Onde está a senhora que devia me proteger,
mãe?
Presidente: Você vai gostar,
menina! E depois que se acostumar vai pedir sempre! (acontece então o estupro,
entre choros e gemidos).
Assessor: (entra), Senhor
presidente, desculpe-me interrompê-lo em hora tão inoportuna, mas querem falar
ao telefone....
Presidente: Mas isto é hora!?
Quem diabo é?
Assessor: É um jornalista! Quer
falar urgente!
Presidente: Com mil diabos! Passa
o telefone assessor! (continua gemendo), Alô!
Jornalista: Alô, senhor
presidente! Desculpe-me o incômodo; estou fechando minha coluna e gostaria de
ouvir sua opinião!
Presidente: (gemendo), Sobre?
Jornalista: Desculpe-me, senhor,
mas está acontecendo alguma coisa?
Presidente: Não. Por quê?
Jornalista: O Senhor parece estar
gemendo!
Presidente: Gemendo? Ora, meu
filho, e eu lá sou homem de ficar gemendo? Ai, que delícia! (gemendo).
Jornalista: O que o senhor disse?
Presidente: Nada. O que o senhor
deseja? Não tenho tempo a perder, meu filho... Ui, maravilha!
Jornalista: Sente-se bem,
presidente?
Presidente: Você nem imagina
quanto!
Jornalista: A sua voz parece
estranha! Insisto, presidente: está acontecendo alguma coisa?
Presidente: Não, meu filho! Oh,
Deus será que um presidente não pode mais transar neste mundo?
Jornalista: O que disse-me, presidente?
Presidente: Nada importante! É o
telefone que anda ruim! Estas operadoras! Mas fale o que quer; estamos mais de
vinte minutos conversando e você não diz o que quer; fala...
Jornalista: Claro! Fizemos uma
reportagem sobre a violência contra a mulher e ao menor. Gostaríamos de saber
que medida o senhor pretende adotar em seu governo para erradicar esta vergonha
no nosso país?
Presidente: Realmente isto é uma
vergonha! Eu não medirei esforços para tirar esta mácula da nossa sociedade!
(geme), ui, delícia!
Jornalista: Que diz! O senhor
está zombando de mim, presidente?
Presidente: Ora essa! E por que
zombaria de ti?
Jornalista: Faço-lhe uma pergunta
séria e o senhor me vem com gemidos e “ui que delícia”!
Presidente: Está louco, rapaz! Já
lhe disse que a culpa é da operadora...
Jornalista: Então o senhor
concorda que é um ato vergonhoso para o
país? O senhor sabe que milhares de jovens se prostituem nas ruas do Brasil e o
nosso país está praticando convulsivamente o turismo sexual?
Presidente: Estou consciente de
tudo isso e as medidas já estão sendo tomadas para solucionar este problema.
Ui, maravilha!
Jornalista: Senhor, creio que
devo finalizar minha entrevista, pois o
senhor não me parece bem, hoje! Tchau!
Presidente: Escuta! Quando
você pretende colocar esta entrevista no
jornal?
Jornalista: Amanhã! Tchau!
Presidente: Assessor!
Assessor: Chamou-me, presidente?
Presidente: Ligue para o jornal e
peça para o dono não deixar publicar a reportagem deste jornalista.
Assessor: Sim senhor!
Presidente: No país onde eu sou
presidente, não existe prostituição de menor ou coisas afins! Agora jeitosinha,
continuemos!
Assessor: Chega, presidente! Já
vadiou demais! Temos assuntos sérios a tratar; o cerco está se fechando; o
senhor precisa colocar o seu filho a par da situação. (olhando para menina),
Vai para seu quarto, menina! A festa acabou!
(Sai jeitosinha como se fosse uma
estátua andando.)
Presidente: O que foi desta vez,
assessor?
Assessor: Pedi que seu filho
viesse falar consigo; é hora de colocá-lo a par de todo o nosso plano para
desviar o dinheiro; o pequeno Hamlet não pode mais ficar vivendo neste mundo de
ilusão; é hora de revelá-lo todo sistema.
Presidente: Entenda, assessor! É
o meu filho! Ele não pode ter esta idéia do pai...
Assessor: Escrúpulo nestas horas!
Ora, era só o que faltava! Quem nasce aos seus não degenera!
Presidente: Ele não aceitará
participar! Conheço o filho que tenho! É um sonhador!
Assessor: Veremos! Veremos! Aí,
vem ele!
Hamlet: Meu presidente
mandou-me chamar?
Presidente: Oh, filho de minhas
entranhas! Promete não se zangar com teu pai?
Hamlet: E por que me zangaria com
meu presidente?
Presidente: Não tenho coragem,
assessor! É mais forte que eu!
Assessor: Pois tenho eu! Meu
jovem Hamlet, por acaso já se perguntou alguma vez na vida de onde vem a roupa
que vestes? A comida que comes? A
camisinha que cobre o teu bilau?
Hamlet: Certamente do trabalho
honrado do meu pai!
Assessor: E se eu te disser que
não é tão honrado assim o trabalho de teu pai?
Hamlet: Se cometer tal ousadia
deceparei vossa cabeça, insolente!
Presidente: Filho de minhas
entranhas, não se agaste com o nosso assessor! Preciso fazer-lhe uma revelação!
Vou confessar para você uma coisa que jamais confessei a ninguém. Sei que tens
ouvido falar sobre o silêncio de vosso pai à
imprensa, e...
Hamlet: Sim, meu presidente! Mas
juro-lhe que jamais acreditei em tais acusações!
Presidente: Pois para você eu
confesso; eu rompo o meu silêncio: eu estou mais sujo que pau de galinheiro!
Hamlet: (assustado), O que
dizes...?
Assessor: Meu bom rapaz, sei que
vives num mundo de ilusão, mas isso
acontece desde que Brasil é Brasil!
Hamlet: Mais não com meu pai...
Presidente: Teu pai precisa de
ti! Estou ficando velho, Hamlet!
Hamlet: Que queres de mim, meu
presidente? Que eu navegue neste mar de lama? Que faça minha gente comer o pão
que o diabo amassou, enquanto vivemos uma vida de luxúria?
Assessor: Sabia que não
precisaria te explicar nada, Hamlet! Aqui estão os papéis que vão te colocar a
par de tudo. (entrega os papéis); Cuidado, com estes papéis você pode destruir
seu velho pai, se cair em mãos erradas...
Hamlet: Parece-me um sonho! Um
pesadelo! Como pude ficar cego todo este tempo?
Presidente: Hamlet, não queira
mal o papai...
Hamlet: Deixe-me só, meu senhor!
Preciso pensar!
Assessor: Penses bem, Hamlet! A
carreira política de teu pai está em tuas mãos. Você tem uma bomba em sua mão,
se decidi por explodi-la, acabará para sempre com a carreira política de teu
pai e conseqüentemente com a vida de luxo que leva; terás que escolher entre o
ter e o ser. Pense bem, Hamlet! Tem muito mais a ganhar vindo para nosso lado!
(sai).
Hamlet: (para platéia), Vivi
sempre enganado! Ouvia sempre a voz de meu coração que me afirmava sempre que
meu pai era inocente. Oh, indigno coração, por que me enganastes? Por que
pusestes em mim o véu da apatia? Por
amar meu pai, fechei os olhos para tudo que estava a minha volta! Quantos de
vós também não vivestes nesta apatia e deixastes vossos
entes enveredardes por caminhos tortuosos? Quantos de vós estais andando
por caminhos tortuosos? E eu agora, que caminho deverei seguir? ( abaixa a
cabeça e olha os papéis), Então aqui está toda a sujeira que vem destruindo o
Brasil! E cabe a mim salvar este país?
Teatro: Sim, Hamlet! Cabe a você
escolher entre o bem e o mal!
Hamlet: De onde vem esta voz?
Quem fala comigo?
Teatro: Sou eu Hamlet, o Teatro!
Hamlet: E o que é o Teatro?
Teatro: É um velho sonhador que
desde que esta sujeira foi implantada no país, ficou esquecido!
(Entra o espectro do Brasil)
Brasil: Não se deixe enganar,
Hamlet! Este velho vive do passado; de glórias que jamais voltarão; é um tolo!
Hamlet: E agora, que voz é esta
que me chega ao ouvido?
Teatro: É o Brasil, Hamlet! Não o
Brasil lindo e trigueiro do Ary Barroso,
mas o Brasil que se tornou espectro; é também uma vítima deste sistema.
Brasil: Não fique a pensar,
Hamlet! Não queira mudar-me! Outros já tentaram! Muitos foram para o exílio,
outros foram enforcados para livrar-me de Portugal e hoje estou submisso a
outro país! Trocou seis por meia dúzia! Conheci até um que deixou seu próprio filho
morrer numa cruz para salvar o mundo e hoje matam e morrem em Seu nome!
Teatro: Não lhe dê ouvidos,
Hamlet! É um velho cansado de guerra! Não podemos perder o direito de nos
indignar contra esta corrupção...
Brasil: Hamlet! Tu então
acreditas que algum dia fui lindo e trigueiro? (ri), Coisas de poetas! E o
teatro está sempre de conluio com os poetas...
Teatro: Mentes! Estou ao lado da
indignação, seja lá de quem vier; de quem tem a sensatez de mudar a sociedade
sem fazer guerra, sem derramar sangue; o teatro só tem sentido, se lutar por
uma causa; seja na comédia ou no drama
temos o dever de provocar sensações, de fazer o povo refletir sobre seus dramas
pessoais mas também sobre os dramas do seu próximo...
Brasil: (Gargalhando), Indigente!
O Teatro já era! Pensas tu, que há de mudar o povo?
Teatro: Indigente, sim! Mas morto
não! Enquanto tiver a praça pública o teatro não se calará! Hamlet, vem comigo!
Vou lhe mostrar as desgraças deste país! (estende a mão).
Brasil: Não vai, Hamlet! Fique do
lado do vosso pai! Querem pôr em vossa cabeça mais ilusões – é a cara do
teatro! Escolha ter, Hamlet!
Teatro: Não. Escolha ser,
Hamlet! Vem comigo? (estende a mão).
Brasil: Não. Venha comigo,
Hamlet! (estende a mão)
Hamlet: Oh, estão a me confundir! (olhando para platéia),
Oh, dúvida cruel! E agora? Ter ou não Ter, eis a questão!
Terceiro Ato
(Entram novamente os bailarinos
com as caras pintadas, ao som da música “O que será”, Chico Buarque)
Teatro: Eu sabia que você ia
escolher pela sensatez, querido Hamlet!
Hamlet: Estive cego todo este
tempo!
Teatro: Muitos estão cegos! O
Brasil está cego! Olha lá, está vendo aquela criança? Está se prostituindo!
Aquele é um estrangeiro, é o famoso turismo sexual! Você está vendo?
Hamlet: Claramente!
Teatro: Pois é, as nossas
autoridades não vêem! Você está vendo aquelas crianças pedindo no farol,
enquanto deveriam estar nas escolas?
Hamlet: Claramente!
Teatro: Pois é, as nossas
autoridades não vêem! Você está vendo aquele mendigo morrendo de frio?
Hamlet: Claramente!
Teatro: A nossa sociedade ajuda
colocar fogo em seus corpos diariamente e os nossos governantes não vêem! Assim
como não vêem milhares de índios sendo extintos. Assim como não viram Chico
Mendes morrer...Então? Continua vendo claramente?
Hamlet: Sim, meu Senhor!
Teatro: Então claramente vos digo
que deves entregar os documentos que compromete vosso pai!
(Entra o jornalista)
Jornalista: (bêbado), Rasguem os
diplomas! No país onde não se pode pensar e expor suas idéias para que bolsa
universitária? Inventam escolas da família, bolsas para negros e logo que saem
da faculdade são impedidos de pensar! Mentira....minto, nos impedem de pensar
dentro das próprias Universidades!
Hamlet: Quem é este?
Teatro: Mais um desiludido com
este país! Ouçamos!
Jornalista: Escola da Família!
Colocam nossos jovens para ensinar o que não sabem! Bolsa Família! Acharam uma
maneira legal de comprar o nosso voto! Aplauso para o povo brasileiro!Aplauso
para os negros que construíram este país! Aplauso para Betinho, que sonhou em
acabar com a miséria! Aplauso para Paulo Freire, que sonhou em mudar a Educação
deste país! Aplauso para os professores deste país, que não podem repassar os
seus conhecimentos e ganham uma miséria! E aos marginais deste país...Deus lhe
pague Chico Buarque por sua Roda Viva! Aplausos! Aplausos para um jornalista
fracassado!
Hamlet: De onde vem esta revolta,
cavalheiro?
Jornalista: Vem da impotência! De
que serve um jornalista de um jornal cujo dono vive aos pés de um presidente?
Hamlet: E por que diz isto?
Jornalista: Tinha eu hoje uma
reportagem sobre prostituição no Brasil; liguei para o presidente; pedi uma
entrevista; deu-me; mas assim que acabei de desligar o infeliz ligou para o
dono do jornal e impediu que a notícia fosse publicada! Me diz de que adianta
filosofar nas universidades? Saímos cheio de sonhos, acreditando que vamos
mudar o mundo e nos deparamos com um filho da puta que nos colocam mordaça. Que
país é este, me diz? Cadê a liberdade de expressão deste país? Quero que todo
mundo saiba que o presidente calou a minha voz...
Hamlet: O meu pai?
Jornalista: Teu Pai? Oh,
companheiro, eu bebo e você fica de fogo! Filho do presidente da República!
Esta é boa! (ri), Você é muito novo rapaz, para beber! Ouça um conselho de quem
entende de porre! Não faz bem...(sai).
Hamlet: O meu pai?
Teatro: O teu pai! Ainda
resta-lhe alguma dúvida?
Hamlet: Não, nenhuma. Se a
mudança deste país está em minhas mãos, tenha certeza que a mudança vai
começar. Vou entregar todo o sistema!
Teatro: A mudança está na mão de
todos nós: o povo precisa parar de querer se dar bem em tudo. Temos que
reformar este país e a mudança começa na casa de cada um. Antes de atacar o
sistema temos que pôr o dedo na ferida de nossos familiares e mostrar que eles
estão errados. Ai! (passa mal).
Hamlet: O que aconteceu? Está
passando mal?
Teatro: Nada. Foi só uma
vertigem! Vamos Hamlet, entrega todo este sistema de corrupção, não perca
tempo...vai, vai...
Hamlet: Vou. Obrigado por abrir
os meus olhos! (sai)
Teatro: É para isso que o Teatro
está aqui! (cai cansado)
Ruas de Brasília. A primeira dama
se encontra com o taxista.
Taxista: (só de cueca), Pelo o
esforço que fiz vou ter que aumentar o valor do taxímetro, primeira-dama!
Primeira-Dama: Vocês são todos
iguais! E olha que de taxista eu entendo.
Taxista: Entende, é? Então eu não
sou o primeiro?
Primeira-dama: Não. Há muito
tempo tive um grande amor que mudou minha vida.
Taxista: Não sabia que o
presidente tinha sido taxista! Esta é nova!
Primeira-Dama: Não foi ele! Pelo
presidente eu nunca sentir amor, só gratidão!
Taxista: Gratidão?
Primeira-Dama: Sim, gratidão. Vou
lhe contar a história: eu era muito nova quando me apaixonei por um taxista.
Sabe como é a juventude...não damos ouvidos aos mais velhos! Tivemos um caso e
logo depois descobri que ele era casado; mesmo assim resolvi continuar sua
amante, mas um dia aconteceu uma tragédia...
Taxista: Uma tragédia? Não me
diga que o presidente mandou matar o sujeito? Olha que eu não quero bater com
as dez, não!
Primeira-Dama: Não seja tolo!
Pois se eu nem conhecia o presidente, aliás, ele ainda não era presidente!
Taxista: Então...
Primeira-Dama: Então... que
mataram o taxista e eu estava grávida e não tinha ninguém para me ajudar; foi
aí que eu procurei o presidente; ele cuidou dos meus piolhos, assumiu o meu
filho e me transformou em primeira dama.
Taxista: Porra! O cara é generoso
mesmo; o meu voto é dele nas próximas eleições.
Primeira-Dama: Seria incapaz de
traí-lo!
Taxista: Mas a senhora acabou de
transar comigo!
Primeira-Dama: Falo de outro tipo
de traição! É...nós nascemos um para o outro! Ninguém me separa do meu
presidente!
Taxista: É o papo está bom, mas
dinheiro que é bom nada!
Primeira-dama: Que insensível!
Todos os taxistas são iguais! É dinheiro que você quer, pois tome! (vai botando
o dinheiro na cueca).
Taxista: Ai, aqui é zona
proibida. Ui, ai que delícia! Vai, coloca o dinheiro na cueca! Se eles podem eu
também posso! (sai)
(Voltemos à casa do presidente)
Presidente: Estou preocupado com
meu filho, assessor! Sumiu!
Assessor: Relaxe, presidente! O
senhor devia estar preocupado é com esta coisa estranha que está nascendo em
sua testa.
Presidente: (olha no espelho), O
que será isso? Isso nunca tinha aparecido antes...
Assessor: É que isso só aparece
com o tempo! É igual ao emprego que o
senhor prometeu, com o tempo aparecerá para povo!
Presidente: Sabe, assessor! Estou
com vontade de comer uma pizza!
Assessor: É pra já. Vou
encomendar! Quer receio de quê?
Presidente: Caviar regado com
champanha! Cansei de comer carne seca com feijão de corda!
Assessor: Seria prudente comprar
uma pizza para o povo também, né, presidente?
Presidente: É justo! É muito
justo!
Assessor: Pede uma de caviar para
eles também?
Presidente: Ficou louco,
assessor? Para o povo pede uma com receio de esperma!
Assessor: Mas presidente o povo
não merece isto. São seus eleitores!
Presidente: Por isso mesmo! Em
terra onde o povo me elege como presidente, não merece senão isto! Eu não
presto, eu assumo!
(Batem à porta...)
Assessor: Deve ser a pizza!
Presidente: Mas você nem
encomendou?
Assessor: Não precisa. Para
políticos as coisas são rápidas em nosso país. Eles sentem por telepatia. E
depois a pizzaria é muito conhecida em nosso país...
Presidente: E qual é esta pizzaria?
Assessor: Chama pizzaria dos
Sanguessugas! (sai)
Presidente: E estas coisas
nascendo em minha testa! Estou começando a ficar preocupado!
Assessor: Aqui está sua pizza,
presidente! (come), Espere, mas isto não é caviar! Isto é esperma! Trocaram a pizza,
assessor!
Assessor: É...as coisas estão
mudando presidente! O povo está ficando esperto! Bom, o que passou, passou!
Vamos voltar ao batente! Precisamos nomear um novo ministro da cultura. Quem o
senhor sugere?
Presidente: Qualquer um,
assessor! Qualquer um! Só não esqueça que tem de ser artista!
Assessor: Por que artista?
Presidente: Ora, por que? Então
você não conhece o povo do teatro? São pessoas perigosíssimas!
Assessor: É verdade! É verdade!
Com esta gente não se brinca!
(Entram os policiais...)
Presidente: Mas que é isso? É uma
invasão?
Policial 1: Tenho ordens pra
levá-lo!
Policial 2: O seu filho Hamlet
entregou para a justiça documentos que provam sua culpabilidade nesta quadrilha
da corrupção...
Presidente: A culpa é do
assessor!
Assessor: Minha?
Presidente: Sim, tua! Você é um
incompetente, assessor! Não foi você que me convenceu que devia colocar meu
filho a par da situação? Pois agora abra as pernas e deixa o fumo entrar.
Policial: Os dois já para
prisão!(segura-os)
Presidente: Mas que diabo está
acontecendo neste país? Nunca vi prender um presidente tão rápido. Isto é
histórico!
Policial 2: É que no teatro o
dramaturgo não desiste de sonhar!
Assessor: Não falei que as coisas
estavam mudando por aqui?
Presidente: Escuta, rapazes!
Podemos conversar! Seja mais amigável com o seu presidente que serei generoso!
Policial 1: Suborno? Agora sim
está preso mesmo! O dramaturgo decidiu que não existe policial corrupto neste
país! (levam-nos)
(A morte do teatro...)
Hamlet: Teatro! (grita), Fiz o
que devia fazer! Os corruptos estão presos! Cadê você?
Brasil: Parabéns, Hamlet! Agora
vejo que você tomou a decisão correta! Estou recuperando a minha força.
Hamlet: Então concorda agora com
o Teatro?
Brasil: Sim, meu bom Hamlet! Eu
estava cego de luz! Só agora vejo como estava errado! Em pouco tempo voltarei a
ser lindo e trigueiro!
Hamlet: Fico feliz, meu Brasil!
Mas onde está o Teatro?
Brasil: O Teatro está cada vez
mais indigente, meu Hamlet! Ele está morrendo! Venha, eu o levarei até ele!
Hamlet: O que aconteceu, meu
amigo teatro?
Teatro: Estou indo, meu Hamlet!
Já vi muita coisa nesta vida, mas nenhuma delas me orgulhou tanto como o que
você acabou de fazer! Você é um brasileiro de verdade! Só não entendo porque
não lhe deram o nome de João, José...
Hamlet: Porque em meu país os
meus irmãos já nascem estrangeiros!
Teatro: Uma vez o príncipe Hamlet
esteve em meu palco! Tantos atores já o encenaram! Tive muitas alegrias nesta
vida! Grandes atores já me deram a alegria de subir no meu palco. Uns ainda
estão por aqui; outros já se foram! Paulo Autran, quanto orgulho me deste!
Laura, Fernanda, Lélia, Raul...quantas alegrias...Ah, e Yolanda Cardoso por
onde anda? Vi muita gente boa que se não estivesse em momentos derradeiros
soltariam deliciosamente os seus nomes em meus lábios! Acusam o teatro de não
aceitar os novos! Mas não...eu sempre lutei para que os jovens aprendessem com
os velhos e os velhos fossem generosos com os jovens! O teatro se traduz por
generosidade! Talvez seja vaidoso, eu confesso! Mas quem já teve Cacilda Backer
em seu palco, como não sê-lo? Estive pensando muito nela! Lembro-me como se
fosse hoje...ela estava apresentando “Esperando Godot”, quando caiu em meus
braços e eu a levei suavemente para o chão do palco; era o fim de sua vida mas
o início da glória do teatro; escreveu para sempre o seu nome na cena
brasileira! Não, não sou saudosista! Hoje me mandaram uma peça de teatro, não a
li, não tive tempo! (levanta a peça), mas também o que importa? São todas
iguais!
Hamlet: Quem é o autor?
Teatro: Chama-se Larry Redon!
Deve ser como todas as outras! Sempre tem algum jovenzinho brincando de ser
dramaturgo! Não tenho mais paciência! Se puder, leia! Ou entregue às poucas
pessoas deste país que ainda lêem...Adeus, Hamlet! Adeus! Sinto-me que
Guarnieri e Célia Helena estão me embalando em seus braços!
(Vozes por trás do palco: O
teatro morreu! O teatro morreu! )
(Na prisão...)
Presidente: Será que vamos
permanecer nesta prisão para sempre?
Assessor: Não reclame, presidente!
Poderia ser pior! Aqui pelo menos temos televisão, uma boa cama...
Presidente: E a visita íntima,
será que vão liberar?
Assessor: Isso, acho que não...
Presidente: Então acho que você
vai resolver o meu problema!
Assessor: Isso, não presidente!
Presidente: Isso, sim assessor!
Policial: Que palhaçada é esta?
Vamos parando!
Presidente: (fechando o zíper),
Que aconteceu? Veio nos libertar?
Policial: Não, vim avisá-lo que
foi sancionada uma nova lei no Brasil.
Presidente: E que lei é esta?
Todos gritam: Quem cala consente!
(Toca a música “Brasil”, de
Cazuza e todo o elenco entra no palco.)
“ meu presidente é qualquer um; o
meu assessor é qualquer um; minha primeira-dama é qualquer uma; o meu Hamlet
por ficar entre o certo e o errado, torna-se qualquer um; mas o meu teatro não
é qualquer um”.
Larry Redon
São Paulo, 12 de agosto de 2006.